segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

resenha:The Punk Singer documentário sobre Kathleen Hanna

Os comentários de duas amigas sobre um amor compartilhado

 



Por Carla Duarte e Camila Puni

Na verdade isso não é uma resenha. Utilizei esse termo para que a palavra agregue mais acessos ao post. Mas sim, falamos sobre o documentário The Punk Singer, lançado em 2013, e que fala sobre a vida e obra da artista feminista norte-americana Kathleen Hanna. A película, dirigida por Sini Anderson, apresenta a frontwoman do Le Tigre de forma que ainda não conhecíamos. Seja mostrando um pouco das performances da época em que ela estudava no Evergreen State College, em Olympia (Washington) ou seja a parte que fala do tratamento de KH, que foi diagnosticada com doença de Lyme. 

Mas, isto não trata-se de uma resenha, de um texto preocupado com a crítica, com a forma e com a estética da coisa. Tão pouco fazemos um resumo da obra ou a destrinchamos por inteiro. Este texto traz as nossas impressões sobre o documentário, carregado pelas nossas subjetividades e próprias experiências com o punk feminista. O que segue abaixo são as minhas falas e da minha amiga Camila Olivia de Melo (Puni), zineira, bruxa e tutora da Frida, uma gatinha dahora. Mantendo o espírito da conversa, que foi por email, costuramos esse texto a partir de pequenos parágrafos que trazem os tópicos que mais chamaram nossa atenção.

Em tempo: disponibilizamos dois links para download do documentário no fim deste post


Trecho do filme. KH ainda no Bikini Kill


Puni escreveu:
Achei a narrativa - talvez a forma como foram escolhidas as temáticas tratadas - um tanto quanto heteronormativa. Colocando fotinhos do casamento dela, e da paixão "linda e feliz" que teve. O que acho que não colou muito, porque em um dos depoimentos ela diz algo como "eu super pirei quando me apaixonei pelo Adam - MCA". Essa fala me faz pensar como ela não compreendeu muito bem essa paixão, pois em outro momento (bem rápido do doc) ela diz que "esteve ficando com garotas". Achei que, na maioria das vezes houve uma invisibilidade lésbica, ou no mínimo bissexual de Kathleen Hanna.



                                                                                                                             Carla escreveu:
Uma das coisas que mais me marcou foi ver a cronologia do trabalho dela. Principalmente a segurança ou a gana, alguma coisa, que a fez fazer toda sorte de coisas intensas na juventude e na idade adulta. Me refiro a gritar, fazer spoken word e não se importar se os outros vão acreditar no teor da fala dela ou não. Acho que o que falo aqui tem a ver com o que ela fala no final do documentário, que quando uma mulher fala alguma coisa ela tem que estar preparada para provar o que faça, porque ela pode (e provavelmente será) questionada pelos outros, como se sua palavra, sua motivação não fosse válida. 

O fato de fazer e de acreditar no que se diz/sente é algo que deu um nó na minha cabeça. Porque é isso que fez, de certa forma, o Riot Grrrl.  Porque pra mim o Riot Grrrl tornou visível uma série de coisas que as garotas da cena punk passavam e que antes não eram discutidas. Ou seja, elas falaram aquilo que estavam sentindo, mesmo que os caras ou outras garotas dissessem que aquilo não era "real".

KH na época da faculdade

Hanna e suas amigas chamaram outras garotas da cena para uma reunião só de garotas, para falarem sobre o que as incomodava, para fazer zines, para criarem. Elas saíram da zona de conforto, apesar de correr o risco de ouvir um "não queremos". E acho que isso falta em mim, e talvez em outras garotas que, por uma série de fatores não fazem parte de uma ~comunidade~ formada por feministas, bruxas e etc.




Puni escreveu:
Achei, como você, a retrospectiva da própria vida de Kath completíssima. E com isso, pude entender melhor a relação dela com a mídia tradicional e a postura em evitá-la. O que a fez produzir fanzines ou gravações em seu próprio quarto, como o Julie Ruin que sim, é a expressão máxima do:

"Faça você mesma"
fazendo você mesma...
mesmo que esteja se
sentindo sozinha"
 

A biografia completa no doc também desmistificou algo que - para mim - ainda era tido como verdade: que ela não foi violentada sexualmente por seu pai.




                                                                                                                        


 
                                                  Carla escreveu:
Outra coisa que me impressionou (ou com a qual eu mais me identifiquei) foi como nasceu o Julie Ruin (o álbum solo). Kathleen Hanna saiu do Bikini Kill com um clima difícil, se ilhou em seu quarto (que é um lugar mágico) e foi fazer algo diferente do que ela tinha feito antes. Ela tentou ainda assim criar coisas dentro de uma comunidade a qual não se relacionava tanto em função das tretas.


Esse gif faz parte da palestra "Herstory Repeats: Kathleen Hanna" que é bom


Acho que essa parte do doc é uma inspiração para as garotas que estão desanimadas (por  qualquer treta em sua ~comunidade~, em seu ~role~),  que querem fazer alguma coisa e não sabem como; ou que querem fazer alguma coisa, mas não fazem por desanimo causado pelas tretas. 
Então, acho que a parte que fala sobre o Julie Ruin estimula as garotas a começarem (ou recomeçarem) a fazerem suas coisas, apesar do possível isolamento que estejam vivendo.

E o melhor de tudo é que a Hanna não se afastou, ela fez o Julie Ruin e depois ainda fez uma das coisas mais inteligentes da carreira dela: Le Tigre.


Puni escreveu:
O que mais me chamou a atenção foi realmente essa força em fazer o que quisesse fazer. E com isso pensar como a autoestima é fundamental para criarmos e potencializarmos nossa criatividade. Nesse sentido, acredito que o feminismo para Kathleen Hanna foi o furacão potencializador para a artista presa dentro dela. A formação de espaços seguros (como o ateliê de artes que ela montou), as poucas - porém fortes - amizades que ela foi atraindo com a trajetória dela. 

Época do Le Tigre
 
Tudo isso (tudo isso mesmo...) acabou tendo como ápice o Le Tigre, que como você colocou, foi uma das ações feministas mais brilhantes que já vi. E acho isso porque, como ela mesma comenta, com o Le Tigre "foi o momento de parar e dizer o que de bom acontecia". Arrepiei quando ela disse isso. Acredito que esse ranço negativista e denunciativo - que muitas vezes se pratica no Punk - me incomoda, e acho que em um certo momento da vida dela, também a incomodou. O que a fez propor e imaginar um mundo feminista palpável, aqui e agora.



                                                                                                                             Carla escreveu:
O documentário também me fez pensar em como nos tornar aquilo que gostaríamos ser. Como potencializar a criatividade e fazer coisas. Como continuar, apesar de todas as coisas.


Puni escreveu:
Corajosa, colorida, criativa, empoderada, com rugas e cabelos brancos: Kathleen Hanna mostrou-se para o mundo no documentário The Punk Singer. Só que dessa vez diferentemente do que aconteceu na década de 1990 - lembrando dos abusos que sofreu com a mídia tradicional - ela fala a partir da sua própria história, usando mais uma vez a sua estridente voz para comunicar ao mundo a potência feminista que é.

KH atualmente

Links e mais links:
Assista o vídeo produzido para arrecadar fundos para a feitura do documentário
Entrevista com Sini Anderson sobre o documentário
Primeira premiere do filme (no SXSW) com Kathleen Hanna

Site oficial do filme


Bom, o que a maioria espera nesse post é um link pra baixar o documentário né?  
Link 1 - upado por Amanda Monteiro
Link 2 - torrent
Link 3 - torrent

7 comentários:

Camila Puni disse...

<3
Que delícia compartilhar esse espaço com vc Carla!

Cibele Minder disse...

Oi Carla e Puni, muito massa o post! tô doida p ver mas num to conseguindo baixar! será que é só aqui?

Letícia disse...

Assisti ontem e fiquei meio bolada com certas escolhas de depoimento combinados às constatações factuais que apareciam em texto na tela e o discurso que se tentou vender... muito ficou implícito, como o grafite da Kathleen pro kurt ter sido DIRETAMENTE responsável pelo sucesso do nirvana, como a Kathleen Hanna ter sido a FUNDADORA da 3a onda do feminismo, sei lá, achei meio indulgente quase num nível ego-trip mesmo. Não me levem a mal, reconheço plenamente a importância da Kathleen pra muita coisa mesmo, mas em momentos que ela é elevada à INVENTORA ou FUNDADORA na verdade ela estava agindo como catalisadora pra fenômenos e movimentos que já estavam em fluxo... seja na questão dos fanzines, que já estavam presentes na cena desde o princípio do punk, seja o modo de se endereçar diretamente à plateia em shows, que no punk e no punk hardcore já se via muito, seja em fazer arte feminista de resistência que abordavam temas como violência e estupro, que já acontecia, pelo menos nos EUA, desde 1965.

No filme o recorte já começa nos anos 90... Kathleen vivia em Olympia, de onde veio Beat Happening, frequentava a cena punk hardcore de Washington e adjacências, e nada disso é comentado como influência. Achei celebratório demais e pouco elucidativo. Eu tenho bifa com esse formato de documentário onde o personagem principal é visto sob um escopo sentimentalista/íntimo e isso ocorre muito com documentários de música, e nesse essa abordagem ficou bem óbvia.

Brutal420 disse...

Boa Madrugada.
Curti a postagem pois é sobre a KH, e eu realmente gosto do trabalho dela. Inspirou muita gente bacana!

Acho que aconteceu com ela o que aconteceu com o Minor Threat, as pessoal escutam mas não entendem...

Existem vários feminismos (sou a favor de vários!), e não sei se esse modelo norte-americano "branco classe média hardcore" deve ser transplantado sem releituras locais. Exemplo disso é que essa agenda norte americana com origem no racionalismo kant/ cartesiano, não se aplica ao protagonismo feminista das MC`s mulheres do FUNK. É essa a minha questão.

Obrigado,
Paz

boredcarla disse...

Letícia,

concordo que algumas passagens eles forçaram a barra sim, a colocando talvez como a única/principal responsável por uma série de coisas que aconteciam com ela e sem ela.

acho que ela pegou uma estrutura que existe, do próprio mecanismo do punk, e incluiu nessa subcultura a arte feminista. eu não sei se eu conheceria a arte feminista se não fosse pelo punk, e daí é a parte que mais me inspira nela. mas poderia ter sido outra mulher. o meu ponto foi o que ela trouxe de novo para o punk.

concordo que faltou sim comentar no documentário o que já existia, sem dúvida. ninguém faz algo como o riot grrrl sozinha.

brutal 420,

sem dúvida, é necessário adaptar/repensar os modelos de feminismo a nossa própria realidade. tanto que em parte vejo que isso acontece, seja no punk, no funk ou em outros roles.

Los Borrachos disse...

oi meninas, não consegui baixar o doc pq os links não estão funcionando.. :/

boredcarla disse...

Los Borrachos,

Você tentou o terceiro link? Aqui consegui abri-lo.