Há quase dois meses atrás eu atualizei o blog. Vocês sabem que periodicidade não é o meu forte. Mas, bem, cá estou eu de novo, apesar de tudo. Não vou ficar falando que vou tentar atualizar com mais frequencia e aquele lance todo não. Leia a entrevista com a Dispor, ouça a banda, etc, etc.
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Dispor, punk diretamente de Salvador e Rio Grande do Norte. Algo nas guitarras do Rodrigo me lembram a do Velho de Câncer, na fase gloriosa da primeira e segunda demo. Mas Dispor é banda punk pra cantar junto, pular e pirar nos solinhos marotos. Os vocais da Valéria e Antônio são intercalados e sobrepostos, e combinam muito bem juntos. A Priscila toca baixo, e o Diogo bateria. O foco da entrevista não são as influências musicais, e sim outras questões. Perguntas: Carla Duarte, respostas: Pri e DiValéria.
Cabeça Tédio - Contem um
pouco sobre a história da Dispor, sobre quem são vocês e o que vocês fazem, e
sobre a influência musical da banda.
Pri - Bem, Dispor é vontade! Viemos de vivências e histórias, coisas que queremos, que nos
decepcionam, que nos deixam fracxs, que nos fazem fortes. Como costumamos
dizer, somos uma eterna tentativa e não vamos desistir. A influência da banda
são as nossas vidas, a vida das outras pessoas e partindo disso falamos sobre a
política de nossas vidas e a nossa vidas política, somos coletivo e indivíduos
e indivíduos que querem estar em coletivos, a sinceridade é um caminho e
amizade é a força. O trecho dessa música descreve bastante o que pulsa em
nossos corações “Por nos sentirmos capazes de estar superando nossas próprias
expectativas e de tempos em tempos, estarmos a enxergar horizontes de forma
cada vez mais reais e perceber a possibilidade cada vez maior de nos sentirmos
mais vivos(mesmo em meio à toda essa terrível, louca e descabida tentativa de
controlar o caos da natureza.”
CT - No blog da
banda há traduções de textos da Emma Goldman. Deduzo daí que a banda encara a
música como instrumento, meio de transformação política. Como vocês tentam
atingir politicamente quem ouve a banda? Quais foram as bandas que
contribuíram/influenciaram vocês (tanto pessoalmente quanto como banda) neste
aspecto?
Pri - Não é só “política”, são as nossas vidas, nossas
histórias, nossos conflitos dentro de tudo isso.Visto que todxs na banda vieram
de outras bandas, coletivos,e experiências; o que nos oferece um pouco mais de
maturidade nesse processo.E de fato muitas bandas nos influenciam e nos
influenciaram nesse caminho, não só por
questões musicais, até porque já sabemos que o punk hardcore não é só música. A
mim, bandas como Colera, Escato, Lumpen, Adcional, Triste fim de Rosilene, Abuso
Sonoro, Constrito, Rancor, Agnósia, Egrégora, Makiladoras, Disrupt, Discharge, Hellshock,
entre outras mil bandas que posso citar como influência e que contribuíram pra
que eu esteja aqui hoje, acho que não caberiam nessas resposta. (risos). Quando
penso em Dispor, penso em algo pró-coletivo, no sentido de tentativa, queremos
viver a Dispor com intensidade, com parceria, sinceridade e amizade. E a
política vem disso, em colocar em prática o que acreditamxs, em ser a própria
experiência de nossas palavras, no sentido de nos deparar com os conflitos e
com situações que não saberemos o que fazer, que não vamos ter respostas
prontas...e partindo disso, vamos construir juntxs. Acho que o momento é esse,
do risco, de abrir e entender as problemáticas, e o que tanto nos faz insistir
nisso tudo, a prática, de fato, é algo complexo. Sobre influenciar pessoas,
está justamente nessa abertura e exposição em que se dispõe a banda, em falar o
que estamos sentindo, falar do que estamos construindo, abrir nossos conflitos,
por entender que todo mundo faz parte disso e que esses problemas são histórias
que se repetem com conotações diferentes. Como não acreditamos em nada pronto,
pegue a letra,escute a música, leia o texto, dance e faça você mesmx!
Valéria –
Rapáááz... acho que a gente não tenta “atingir” politicamente ninguém, não. Só
Antônio que de vez em quando dá umas microfonadas na cabeça, mas acho que é só
isso mesmo Hahaaha... A música teve e tem um papel muito dygno na minha vida
(acredito que a história deve se repetir sempre!), conheci muitas coisas com o
punk, como o veganismo, o feminismo, queer... Tudo através da música ou do que
os espaços ligados ao punk puderam passar. Me senti muito contemplhada com
algumas bandas que Pri citou, principalmente algumas aqui do nordeste onde
puder conhecer muita gente que mostrou com a convivência mesmo, formas menos
arbitrárias de se tentar viver. Por isso não dá pra imaginar o punk afastado de
política. Consigo sentir a dispor como um coletivo tentando simplesmente
compartilhar com xs amigxs de lhongas datas e xs que ainda iremos de fazer,
coisas que acreditamos e como tentamos lhevar nossas vidas malditas, vidas
desgraçadas! No violence é demais!!! haha...e detestation e abuso sonoro
mudaram minha lhife!
CT - Venho há alguns anos me fazendo uma pergunta, e queria
saber a opinião de vocês. O número de garotas/mulheres/queers na cena punk
hardcore (nela como um todo, e não em outras cenas específicas) é baixo, e
muitas vezes são as mesmas meninas que vão participando ao longo dos anos.
Porque vocês acham que isso acontece?
Pri - É uma pergunta que me faço também, sabemos que mesmo
com toda essa abertura, de não sexismo,não machismo, ainda assim é uma cena
dominada por homens.Não é tão fácil lidar com isso, mas, consigo ver pequenas
mudanças, e não é que seja pouco, é que talvez não seja tão divulgado . Por
várias vezes rolou de meninas que eu já conhecia e nem sabia que tocavam,
tinham banda, escreviam e tudo mais. Sei que não é na mesma proporção que os
caras, mas tem muitas meninas, tocando, em coletivos, fazendo zines, dando oficinas
(...). Consigo ver que hoje temos menos medo de correr os riscos, de fazer
errado e pouco a pouco estamos quebrando esses muros. Como mudar isso? Acho que
resistindo, mostrando que podemos estar ali, e incentivando outras garotas a
fazerem o mesmo. De uma coisa estou segura, se for preciso invadir, vamos
invadir! Hahahaha!
Valéria – Me pergunto isso seeempre!!! É uma pena, mas é
um fato sentido por muitxs de nós, né? Eu “cresci” ao lado de diversas garotas
que simplesmente desistiram com o tempo, e foram buscar construir suas
histórias em outros espaços. Não to dizendo aqui que os motivos são sempre os
mesmos, mas percebi diversas vezes um afastamento provocado por conflitos entre
amigos, namoradxs, companheirxs... Percebo isso muito por conseguir ver no
hardcore um espaço feito por e entre amigos, isso pode acabar sendo
significativo as vezes. Hoje, apesar de ainda sentir falta de garotas nos
espaços libertários e no hardcore, eu consigo, também, me sentir mais forte
dentro dele acho que pela iNdade, talvez e por ter visto e vivido coisas
desagradáveis demais e outras magavilhosas demais que consigo me impor e brigar
mais pelos espaços, consigo sentir que outras minas tão ali batendo o pé,
também. Isso é bem positivo, muita gente nova e outras nem tanto (hahahaha...)
tão aí fazendo suas correrias, participando, construindo e desconstruindo esse
babado.
CT - A banda se
preocupa em seus shows falar ou tentar criar um espaço seguro para que todxs xs
presentes se sintam incluídxs? Se sim, como?
Pri – Sim, tentamos. Como falei um pouco na primeira
pergunta, vejo a Dispor como um pró – coletivo, no sentido de
tentar,pensar,criar formas de cada vez mais não estar fechadxs somente na
dimensão de uma banda, não é da gente pra gente, é de nós para todxs e de todxs
para nós e isso não tem fim. Nos shows falamos muito, e o que acho legal é que
em muitos momentos estamos falando “eu” e outras “nós”, justamente por pensar
que todxs é individuo e que o coletivo deve respeitar essa pluralidade, estamos
juntxs pelo punk e esse é o sentimento/prática mais aberto e subversivo que eu
conheço.
Foto: Karlla Amanda |
CT - O punk tem
algumas figurinhas carimbadas que sempre são citadxs como influência e estímulo
para se continuar a fazer o que se acredita, como Redson Pozzi e Ian Mackeye.
Figuras de mulheres, não há tantas. Pensando em mulheres punks brasileiras,
vocês foram influenciadas por alguma em particular? Foram influenciadas por
alguma gringa? É/foi importante para vocês verem mulheres ocupando lugares que
são tradicionalmente ocupados por homens, como em bandas de barulho ou em
movimentos autônomos?
Valéria – Cito
um exemplo, dentre milhões, do grupo anarquista Mujeres Libres (mulheres que se uniram como coletivo e dentre outras
coisas foram ao fronte de batalha e lutaram ao lado dos homens durante a guerra
civil espanhola de 1936), que tiveram uma participação importantíssima durante
a guerra, e é pouquíssimo lembrado e menos ainda citado nos livros (e quando
são lembradas, são muitas vezes citadas em notas de rodapé ou em pequenos
capítulos nos livros). O punk tem muitas mulheres que fizeram e fazem história
até hoje, mas a história é (quase sempre) contada por homens. Tem fários
exemplos de mulheres que influenciaram demais minha vida, mas prefiro citar
quem de alguma forma está mais próxima... divas como Luciana Rangel, Elaine
Campos, Mabel Dias, Raíssa Luz, Lílian, Drikaaos, Lud, Dani, Iere do Bulimia,
Andreza Poitena... Ain são muitxs divxs que significaram demais na minha
infância (risadas...) e continuam sendo dygnas até hoje! Acredito que é muito
importante se sentir influenciada, contemplhada, representada, iluminada,
revigorada, descabelada, animada, apoiada... por ver outras mulheres mandando
ver e segurando a onda, mas prefiro sempre citar as que estão mais na realidade
do dia-a-dia.
CT - Vocês tem o
split em cd com Tropical Youth (Brasília) e vocês saíram em uma mix tape gringa,
a “Mix Tape Free Aceh Punx”, organizada em prol dos punxs de Aceh (fica na Ilha
de Sumarta, Indonésia) que foram presos sem motivo e tiveram seus cabelos
cortados e roupas trocadas. Quais são os próximos planos de lançamento?
Mix Tape FREE ACEH PUNX - OUÇA! |
Pri - Bem, o
próximo plano é gravar novamente e o resto é surpresa hahahahaha
Valéria – Meu
próximo plano é ir morar em Salvador pra poder ensaiar, gravar e tocar com mais
freqüência antes de 2012 acabar!!
CT - “O sentimento de
ser livre transpira pelos poros/ A rotina amarga usurpa nossas sensações/ Não é
esse o gosto que quero sentir.” Esse é um trecho da música Forçar. A minha
pergunta é: como sentir um gosto melhor? Pergunto num sentindo de troca, de
dividir formas de resistir para que nos machuquemos menos. Alguém já disse
“viver bem é a melhor vingança”.
Pri - O gosto melhor esta justamente na
tentativa, já sabemos o que não queremos, precisamos agora correr esse risco,
tentar, ser a prática. Tem um trecho do livro “A peste” de Albet Camus que
descreve muito do que sinto em relação a Dispor, o transito das idéias e sobre
o que move esses riscos: “Você é capaz de morrer por uma idéia, é visível a
olho nu. Pois bem, estou farto das pessoas que morrem por uma idéia. Não
acredito em heroísmo. Sei que é fácil e aprendi que é criminoso. O que me
interessa é que se viva e que se morra pelo que se ama.” Quando escrevi essa
música, pensei muito em como queremos fazer algo e tudo isso torna-se uma vida
paralela, porque precisamos viver essa rotina...já sabemos o gosto que não
queremos sentir, o que nos falta?
Sobre se machucar menos, não é
garantido..pois morrer e viver pelo que se ama é uma intensidade sem fim. Como sentir um gosto melhor? Ainda estamos
tentando...
"Mais vale um Bikini Kill na vitrola do que trinta e seis Hole voando" DiValéria
CT - Divalhéria,
cantora, musicista, compositora, intérprete e ativista é conhecida e
reconhecida como a Marília Gabriela do punk vegan feminista desse brasilzão.
Inspirada nela, faço com vocês um bate bola.
Uma praia –
Da costa, em Areia Branca/RN.
Umx anarquista – Emma Goldman e Henrique Silva de Maceió.
Uma banda que deveria acabar – Hahaha... atóron o perigon, mas vou me abster da
resposta.
Uma banda que acabou e deveira voltar – Puxaaa... difícil, pode ser mil?? Adcional,
Abuso Sonoro, Vingança, Lilith, Bikini Kill, Infect.....
Umx lindx – Aiiinnn... mil pode???? Mamá, Caro, Kátia, Raíssa Estrela...
Açaí de que jeito? – Batido no morango com banana em cima.
Melhor xou que você já foi – Ain Gzuis..... Vingança na Volta dos Mortos-Vivos
e Lumpen no último Carnaval Revolução, no Impróprio.
Dispor é - Tentativa, amizade...
Mais vale um Black Flag na mão do que dois Earth Crisis voando? Mais vale um Bikini Kill na vitrola do que trinta e seis Hole voando.
CT - Obrigado pela entrevista! Façam suas
considerações finais, deixem contatos e todas essas coisas de fim de
entrevista!
Valéria – Carla sua linda, muchas graçias
pelho convite, pela lyndeza e pelo carinho.
A gente vive com uma adversidade gigantesca que é a distancia geográfica
que nos separa fisicamente. Mas como somos insanxs, acreditamos que esse muro
não nos impede de continuar a viver o que acreditamos! É isso, tamos ai, aqui,
acolá e sempre pro der e vier a nos chamar (meu forte é a rima! Risos
maléficos...). Beijxs!!
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