sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Eu não vou me desculpar por ter sido assediada

Por Indiretas Feministas

Esse texto é uma tradução é do guest post "I Won't Apologize For Being Assaulted" do blog Put Your Damn Pants On, escrito por Beth. Ela denuncia o abuso sexual que sofreu aos 16 anos, cometido por Jorge Herrera, vocalista do The Casualties. 

Essa tradução feita por mim, Íris, Jully e Fernanda. Mas um outro blog brasileiro também traduziu esse texto, o que acho legal para que cada vez mais, mais pessoas tomem conhecimento disso. 

Estou ajudando a divulgar o post antes de tudo em solidariedade à Beth. Não sei mensurar o que ela passou, e a única coisa que me cabe é apoiar, traduzir, discutir e ter bem claro que homens cis politizados ou não, que dão o role ou não, não estão isentos de cometer atrocidades como essa. 

Leia o texto de Beth em inglês. Nesse link tinha sido postado uma resposta do agressor, mas é claro que já saiu do ar, mas uma das coisas que me incomodou ao lê-la foi ele afirmar que a denúncia, o guest post, tinha sido escrito anonimamente.

A atitude dele é sobre reiterar poder e privilégio masculino. Proponho então, que façamos o que está ao nosso alcance: boicotar a banda, fazer com que as pessoas saibam o que aconteceu, não culpabilizemos a vítima. 

 A banda fará show no Brasil em dezembro, no Wros Fest.


AGRESSORXS NÃO PASSARÃO, MACHISTAS NÃO PASSARÃO


Antes do texto há o acionador e um espaço entre o texto e sua introdução, para aquelxs que não quiserem ler não o façam acidentalmente. 





Acionadores: abuso sexual discutido francamente

O guest post de hoje vem da incrível Beth – “uma pessoa da cena se recuperando, de trinta e poucos anos, mãe, caseira e esposa. Eu ouço desde Descendents do conforto da minha casa suburbana enquanto cozinho descalça e grávida, até Rebel Girl do Bikini Kill. Eu posso não ter total consciência, mas eu estou constantemente procurando um equilíbrio.”






















De acordo com as estatísticas de abuso sexual, “uma em cada quatro mulheres em idade universitária relatam ter sobrevivido a estupro ou a tentativas de estupro desde os 14 anos.” Esse é um fato bastante conhecido e provavelmente não vai trazer nenhuma surpresa, assim como estou certa de que você, uma namorada/namorado, uma ex, irmã/irmão, pais, criança, professora, babá, ou vizinha já foi uma vítima. O que pode surpreender é como o abuso sexual pode realmente incomodar outras pessoas. Não, seriamente. Eu quero dizer, que lástima ter que saber que uma amiga foi maltratada por outra pessoa – isso te faz se sentir mal, né? Ou que saco ser amig@s daquela pessoa que tem sido acusada disso...  deus. Me dê um tempo, certo? Não é como se eles tivessem feito isso em você. Você não estava nem mesmo lá e eu poderia totalmente estar mentindo. 

Espere. O que? Deixe eu voltar no tempo…

Você sabe, é engraçado porque… bem, não, não é. Não é engraçado. É triste. É triste porque houve um tempo em minha vida em que eu me senti completamente confortável para confrontar um estranho completo, pessoalmente, que vestia camiseta ou patch dessa banda. Eu os tocava no ombro, os olhava no olho e dizia: “oi, meu nome é Beth e o vocalista dessa banda punk nova iorquina de merda, com cabelo grande de merda e calças bondage, me violentou sexualmente quando eu tinha 16 anos. Você deve ter ouvido rumores de que ele fez isso antes, mas, daqui pra frente você não pode nunca dizer que não conheceu uma vítima e teve a chance de ouvir sua estória”. Às vezes elxs queriam os detalhes, às vezes elxs até admitiram que ouviram isso sobre ele antes. A única coisa impressionante que todos esses estranhos completos tinham em comum era que eles ACREDITAVAM EM MIM. 

Eles se sentiram obrigados a conversar, chorar, se identificar ou brainstorm. Como se fosse algo totalmente horrível que aconteceu e nós não toleraremos mais. No fim, 100% das pessoas com as quais eu conversei tiraram a camiseta/patch/bottom/etc. da banda. Um garoto até tirou sua camiseta e a arremessou numa fogueira. Todos pequenos gestos para você, mas, para mim, foi realmente empoderador para contar minha estória. Ter alguém, através de ações, para dizer: “sim, cara. Eu estou do SEU lado”. “Você só pode ser uma vítima se admitir a derrota” foram palavras pelas quais eu vivi. Esses rostos aleatórios deram-me forças ao me apoiarem e... Sim, sim, é verdade, éramos mais jovens então. Jovens, ingênuxs, cheixs de energia, e permissividades, muito mais entusiasmadxs acerca de certos e errados e fazer o bem. Além disso, nós não estávamos no meio de uma cerveja com nossos amigxs e, você sabe, eu não estava “cortando a onda”. Ou a camiseta não era vintage e patches não eram difíceis de conseguir. Quero dizer, aquela poderia ser a primeira tour deles – isso é ALGO.

Então, você sabe… já são 16 difíceis anos desde que eu fui violentada e aquele passado nunca mudará. Eu agora sou uma esposa, uma mãe, a dona de uma casa, uma empresária e, sim, ainda... Eu sou todas essas coisas, MAIS a garota que J___BandaLegalSobrenome violentou. Nos muitos, muitos anos que se passaram, minha necessidade de falar sobre aquela noite nunca mudou. Se antes eu viajava para festivais em todo lugar, e me mantinha orgulhosa nas minhas camisetas do BikiniKill e gritava “aqui estou, isso aconteceu”, agora sou apenas uma mãe-dona-de-casa que arranja tempo para olhar o Instagram entre trocas de fraldas e sente a necessidade de deixar um comentário: “oh, ei, aquele cara naquela foto tirou todos os meus desejos sexuais por 10 anos, ao me violentar, menor de idade, na casa de umxamigx. Ele é a razão pela qual eu não tive relações sexuais saudáveis até os meus 25 anos. Ah, e você está ótimx, por sinal! Beijos e abraços, amiguinhx, falo com você depois. Crianças fofas! #hashtag#hashtag”. Eu não tenho mais tempo, e nem dinheiro para pagar uma babá, pra sair e gritar, mas eu ainda sinto minha auto satisfação porque eu não vou me sentar e não me calarei.

Em uma época em que a internet tornou opiniões amplamente disponíveis para as massas, eu ainda sinto que aquele comentário pode alcançar mil olhos estranhos, tudo do conforto do meu sofá. Enquanto esse é um ativismo que está longe da vida de antigamente, de PROPRIAMENTE conhecer pessoas, onde o que realmente mudava não era minha estória/abordagem, mas as reações. À medida em que envelhecemos e a nostalgia aparece, nós relembramos as bandas que nos trouxeram até aqui. Queremos cantar junto e conseguir babás para shows à noite, durante a semana, porque, caramba, ainda somos jovens! E, talvez, alguns de nós ainda estão excursionando e nós não queremos estragar a relação que temos com bandas com as quais ainda tocaremos... ou talvez nós somos parceiros de bar de certas bandas, em festivais distantes e, você sabe, podemos precisar de um favor algum dia. Ou colocá-los como atração principal em festivais de amigos da cidade porque... quero dizer, eles AINDA atraem uma multidão. Sim, claro, eu entendo. Você também é preguiçosx. Eu espero de você uma grande reação, apenas despejando um pedacinho de informações completamente torturantes sobre minha vulnerabilidade e experiências sexuais de quando era menor de idade. Mas não, não, não. Você está certx. Se eu participasse de uma marcha, quem sabe, você até curtiria minha foto, mas pedir para que você confronte um amigo ou que não o traga para perto, possivelmente colocando outras mulheres em perigo, ou que não pague cervejas a ele, como se sua presença na cidade exija celebração.

Eu... Eu também estou cansada. Talvez estejamos muito velhos para nos importar. Se ao menos houvesse uma forma de republicar artigos online sem sentido, vistos por todo mundo, clicando em um botão que, no lugar, colocaria uma história, desconhecida por milhões de novos olhos, para ser lida do conforto de uma cadeira. Então, e só então, eu vou ganhar algum apoio, mas... espere: não, não. Ainda é “ele disse – ela disse”. E, sério, e se isso voltasse para ele? Seria uma situação estranha. Estranha como alguém enfiando sua nuca na virilha delx, enquanto tenta explicar: “é só um pouquinho, 1, 2, 3, você consegue”, enquanto você coloca todas as suas forças em seus braços para firmar seu peso e quase morder sua língua para ter a certeza de que sua boca está fechada. Oh, não. Não, espere...

Eu desaponto totalmente as pessoas porque aconteceu de eu ser abusada sexualmente pelo vocalista de uma banda que elxs gostam. Tipo, gostam MESMO. Eu sei, eu sei. Eu deveria ter tentado com mais empenho por uma banda, apenas rezando para ser rejeitada e ridicularizada para que isso não estragasse a rotação do seu Ipod e então isso não arruinaria a lista do seu IPod mas ei, de novo, isso realmente não foi uma escolha minha. Mas cara, que total inconveniência, coitadx de você ao saber algo ruim sobre uma banda que você ama. Apenas ignore os fatos, quero dizer, isso FOI há tanto tempo atrás. Não é como se eu ainda pudesse lembrar que estava vestindo um short cargo camuflado e uma camisa de gola-v da Hanes... uma roupa que TOTALMENTE exala vibrações do tipo “me coma”, com minha cabeça recém raspada e pernas não depiladas e... espere. Hmmm.

Você sabia que eu também faço as pessoas se sentirem incomodadas porque eu vou postar abertamente sobre o meu abuso no Instagram ou Facebook ou onde quer que eu veja a menção dessa banda pelos meus “amig@s”? Quero dizer... isso deve ser realmente desconfortável para el@s... eu invadindo os seus espaços pessoais desse jeito. Como se fosse o tipo de invasão em que alguém te prende contra a parede, e enfia as mãos dentro de sua calça pela frente e por trás enquanto pressiona todo seu peso corporal contra uma pessoa de 16 anos de idade e 40kg que chora e tenta resistir. Não, não, espere. Não é provavelmente desse jeito, mas ainda assim. Que estraga-prazer. Quero dizer, eu deveria apenas aprender a manter minha boca fechada. Eu não registrei queixa, então.. que direito eu tenho de ainda trazer isso a tona? Estou certa de que ele mudou e progrediu na vida. Eu ouvi que ele é um ÓTIMO rapaz.

Bem, imaginem só. Aqui estou eu sentada na hora do cochilo, confortável na cama, laptop aberto, protestando do meu modo bem mais ou menos, como sua amiga. Ou talvez eu TENHA SIDO sua amiga, antes de me mudar da cidade pra formar uma família. Talvez eu tenha sido apenas a sua atendente de bar, garçonete, caixa de supermercado, costureira, babá, ex-namorada, produtora de shows, trabalhadora voluntária, frequentadora de shows, ou ainda apenas a garota sentada no bar ao seu lado. Mas aqui está quem mais eu sou: Eu sou a sobrevivente de uma agressão sexual aos 16 anos por um homem mais de 10 anos mais velho do que eu. Esse homem me encurralou em um quarto e tentou me forçar a fazer sexo com ele, dizendo que ia contar pra todo mundo na van que eu fiz de qualquer maneira então seria melhor fazer. Quando eu escapei do quarto, ele me perseguiu pelo corredor, me empurrando contra uma parede e enfiando as mãos dele em todo orifício que ele podia encontrar enquanto pressionava a boca na minha para evitar que meus gritos e o meu choro abafados fossem ouvidos. Quando eu eventualmente me desvencilhei, eu me tranquei dentro de um cômodo abandonado até que meus amigos viessem a mim. Eu dormi naquele quarto para ser incomodada uma única vez por um membro da banda que simplesmente bateu na porta e disse: “Você não tem que abrir a porta, apenas escute. Você não precisa nem me dizer o que aconteceu porque eu já sei e lamento muito”. E eu não lamento se VOCÊ NÃO CONSEGUE LIDAR COM ISSO.

Quando eu saí na manhã seguinte, 16 anos atrás, a banda tinha ido embora, minha carteira tinha sido roubada, e tinham me deixado uma camiseta da banda como se fosse algum prêmio de consolação. A ironia do nome da banda, e de eu ser uma CASUALIDADE no meu próprio direito, não desapareceu em mim. Após todos esses anos e todas as vezes que eu escrevo essas palavras, falo sobre elas, as revivo, eu sinto ânsia de vômito. Eu lembro do cheiro do vocalista, do gosto dele, dos seus dentes podres, da sua pele desgastada, de como a banda discutiu sobre não cortar os seus cabelos porque era uma forma de tomar posição, e principalmente de como eu me senti tão completamente indefesa. Do quão assustada, suja, envergonhada, usada, rejeitada, confusa, sozinha e arruinada eu me senti. Eu sinto todas essas emoções quando meus amigos tocam em shows e festivais com esse cara. Quando eles colocam os seus braços em volta dele nos bares, quando eles o defendem. Que merda, eu sinto tudo isso só pelo fato de que ele ainda respira. Durante as minhas viagens eu conheci outras garotas, escutei as histórias delas e sei que jamais foi feita justiça. Nem legalmente, nem musicalmente, nem ao menos um pequeno obstáculo na banda dele ou na sua vida patética. E agora... Agora eu sou a culpada por contar a minha história novamente com certeza porque cara… Você já comprou aqueles ingressos pro show e eles custaram $30 e você não quer perder dinheiro. É, eu entendo. Eu contei. Eu sou a vilã.

Bem, foda-se Jorge. Foda-se você e a merda da sua banda. Eu não quero ser a sua vítima ou contadora de histórias. Eu quero ser a esposa do meu marido e a mãe do meu filho sem nunca ter que carregar a sua lembrança. Mas eu não posso. O que eu posso fazer é criar um homem que respeite as mulheres e os seus limites, e ainda assim o seu legado de merda ainda vai sobreviver por trás das lições e exemplos que eu passo pro meu filho. Eu não sou sua vítima, seu idiota. Eu sou uma sobrevivente. E esta é a minha história, e se isso te incomoda, amigo, bem, ao menos por uma vez na vida nós compartilhamos algum sentimento em comum... “Desculpe-me se eu estou alienando alguns de vocês, toda a merda da sua cultura me aliena”.


Nota da moderação: Obrigada por todo apoio!! Nós estamos felizes por podermos dar um espaço para Beth dividir a história dela. Nós amamos como a história se espalhou rápido, e nós esperamos que esteja tendo impacto. 
Isso sendo dito, esse é um pequeno blog administrado por um grupo de amigxs em nosso tempo extra. Nós não somos realmente equipadxs para lidar com toda essa atividade. Estou tentando monitorar e aprovar os comentários enquanto eles chegam, mas eu tenho que dormir e trabalhar, então talvez alguns demorem um pouco.

Por favor, por favor, por favor mantenham as coisas civilizadas, sem ameaças de violência, esse tipo de coisa, eu quero deixar todxs (exceto os óbvios trolls) falarem seu ponto de vista.

E, enquanto ouvimos mais pessoas em outros sites, por favor mantenham as coisas tranquilas em todos os lugares. É incrível ouvir algumas das ações das pessoas – de apenas dividir o texto a se inspirar para admitir o próprio assédio que tenha sofrido. Mas, de novo, por favor não ameacem cometer atos violentos ou qualquer tipo de ato criminoso. Nós somos melhores que isso, ao contrário dos abusadores e assediadores desse mundo, nós podemos de fato usar nossas cabeças para fazer a diferença. 
Obrigada de novo!!

- The Damn Pants Team 

2 comentários:

Proud Class disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Proud Class disse...

Poderia informar qual outro blog escreveu sobre? Desde já agradeço.
Total apoio a Beth e a todas as outra sobreviventes dessa atrocidade.
Não importa a cultura ou subcultura. Machistas, fascista, homofóbicos, racistas não tem vez! Boicote!