quarta-feira, 20 de novembro de 2013

guest post: Victoria e o Dia da Consciência Negra

Todos os dias são de resistência para mulheres, homens, pessoas negras

Por Ígor Neves Patrocínio 

Antes de qualquer consideração acerca do Dia da Consciência Negra, proponho uma atenção especial à palavra “Consciência”. Primeiramente, gostaria de ressaltar o seu significado quanto à sua etimologia: Segundo MENEGHETTI (2008), em seu dicionário de Ontopsicologia, Consciência deriva do latim das formas conscientia e cum se scire actionem (estar ciente e quando se sabe a ação, respectivamente).

 Podemos compreender então a consciência, baseado nesses significados provenientes do latim, como uma qualidade da mente onde se está incluído aquilo que o sujeito conhece, seja do ambiente ou de si mesmo.

Mas... Por que analisar uma palavra e sua origem se o assunto em questão nesse post do dia 20 de novembro é a negritude? A resposta para essa reflexão nos levará para outra pergunta: Sabendo o significado da palavra consciência, será que o negro está realmente consciente de si mesmo perante a sociedade?  O negro está consciente do valor de sua negritude? E, me perdoe o trocadilho, será que a Consciência Negra é realmente consciente?

Antes de iniciar a discussão, sugiro que vocês vejam esse vídeo, da peruana Victoria Santa Cruz, compositora, coreógrafa, estilista, fundadora da companhia de dança Teatro y Danzas Negra e uma das expoentes da arte afroperuana. A visualização desse vídeo é essencial para o resto da conversa.


Este poema, escrito e interpretado no vídeo pela própria Victoria Santa Cruz, fizeram ecoar em minha mente várias imagens e experiências de minha vivência como negro. Mas essas experiências não são apenas minhas, com certeza se viu refletido em muitas das palavras proferidas por ela em sua interpretação visceral e, no final do ato, ouviram o som de uma palavra ecoando em suas mentes: “Identificação”.

O Poema de Victória pode ser dividido em três partes: A rejeição, O descobrimento gradual de si mesmo e a descoberta de sua identidade.

O Poema se inicia com um relato de Victória sobre rejeições sofridas em sua infância. Rejeições que partiram de um opressor, que viam em sua cor motivo para rejeitá-la. Gostaria que vocês prestassem atenção em um ponto importante: A infância é o momento de construção da personalidade e formação da identidade que provavelmente será levada para as outras fases da vida. E é justamente nesse momento, que geralmente se dão os primeiros contatos com as rejeições à cor. É nesse momento em que a criança negra procura se enxergar no mundo, mas esbarra em estereótipos valorizados diferente dos seus. 

Dessa forma, fica difícil a identificação de sua identidade desvalorizada com a identidade dominante e valorizada em sua sociedade como, que deprecia certos traços do fenótipo negro como: Os cabelos diferentes, que são chamados comumente de “cabelos ruins”, a cor da pele, o nariz diferente e diversos traços do fenótipo negro que são ridicularizados em determinadas situações e desvalorizados em diversos seguimentos midiáticos e até por supostos amigos que fazem piadas sobre os traços dos negros e que levam xs negrxs, como diz no poema, a retroceder e em certos casos, negar a sua própria etnia e sua origem para ser aceito em um ambiente social.

Mas retroceder não é a saída.  No início deste texto, questionei se a consciência negra era realmente consciente. Isso é apenas uma outra forma de perguntar: O negro se reconhece realmente como negro e sabe da importância de se reafirmar todos os dias como tal? O negro está ciente de que, ao alienar-se sobre sua cultura, rejeita a si mesmo?

Essas rejeições são barreiras na construção da identidade negra. É essencial que o negro seja consciente de sua história e se descubra. Na segunda parte do poema, a palavra “Negra” que soava como ofensa nos tempos de infância, passa a soar como uma palavra que gera orgulho. Esse orgulho é necessário para que o negro se afirme ante a uma sociedade em que a cultura negra não é transmitida e trabalhada adequadamente. É preciso salientar que, nessa transmissão da cultura negra, deve-se ter todo o cuidado para que ela não seja segregadora e acabe se tornando opressora. 

O negro deve se identificar como cidadão no mundo e compreender a força de sua história para se alertar às atitudes preconceituosas do opressor, mas não deve se fechar em sua negritude, tal qual o branco opressor se fecha em sua branquitude. A identidade, depois que desperta, não deve se fechar nela mesma. Deve servir como um caminho à liberdade e ao orgulho.

E, dentro dessa discussão de preconceito étnico, cabe salientar outro aspecto importante no que tange à busca da identidade negra: O da mulher negra, duas vezes descriminada. Primeiro por ser mulher e segundo por ser negra. A mulher negra acaba buscando não só a sua negritude, mas também se reafirmar como mulher em meio a um patriarcado, uma sociedade machista. A estrada a ser percorrida por mulheres negras é muito mais íngreme do que a de um homem, em uma sociedade que favorece o seu gênero. Eu não vou me aprofundar muito no mérito das discussões de gêneros, mas isso é um fato: A mulher negra é duas vezes descriminada, sofre o dobro e a força necessária para se identificar no mundo é o dobro.

Podemos perceber essa reafirmação dupla de identidade no caminho percorrido por Victoria em seu poema, provavelmente é o mesmo que muitxs negrxs percorreram e estão percorrendo até hoje. Partindo de uma rejeição externa à rejeição interna e, consequentemente, à negação de si mesmo.  Porém, com uma visão consciente de sua história e de todos os males que a cercava, buscou em si mesmo o orgulho e despertou a sua consciência negra. 

Esses três estágios são recorrentes na vida do negro e não são fáceis de passar por eles conscientemente. Por isso, seria necessário medidas que passassem, de forma lúcida, a história dxs negrxs e suas particularidades. Não podemos nos dar ao luxo de cairmos no mito da democracia étnica. Dizer que somos iguais aos olhos da sociedade é uma mentira. E o argumento de que “somos brasileiros somos produtos de varias etnias diferentes” também não é forte o suficiente para que a cultura negra não seja transmitida de forma contundente, visto que somos seres humanos, temos olhos e a pele negra ainda causa impactos negativos à vista de algumas pessoas com mentalidade tacanha.

Sendo assim, fecho o post com a última parte do poema de Victoria, que demonstra o encontro do negro, outrora preso em seus medos e incertezas sobre a sua identidade com o negro orgulhoso de suas características e de sua etnia.

 "Negrx Sou
De hoje em diante não quero alisar meu cabelo – Não quero
E vou rir daquelas pessoas que por educação me chamam e por nos evitar me chamam de “gente de cor”
E que cor é essa?
Negra
E que lindo soa
Negro, Negro!
Por fim entendi,
Já não recuo mais,
Já avanço segurx,
Avanço e espero
E dou graças a Deus de ter como cor da pele o negro âmbar.”

Agradecimentos especiais a Carla, por abrir o espaço de seu blog para a minha humilde contribuição e a Samantha, que ouviu minhas ideias e ajudou muito para o texto ganhar um corpo e a Daniela, que me mostrou o vídeo. Obrigado pela leitura, abraços carinhosos.  

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