Todos os dias são de resistência para mulheres, homens, pessoas negras |
Por Ígor Neves Patrocínio
Antes de qualquer consideração acerca do Dia da
Consciência Negra, proponho uma atenção especial à palavra “Consciência”.
Primeiramente, gostaria de ressaltar o seu significado quanto à sua etimologia:
Segundo MENEGHETTI (2008), em seu dicionário de Ontopsicologia, Consciência
deriva do latim das formas conscientia
e cum se scire actionem (estar ciente e quando se sabe a ação, respectivamente).
Podemos
compreender então a consciência, baseado nesses significados provenientes do
latim, como uma qualidade da mente onde se está incluído aquilo que o sujeito
conhece, seja do ambiente ou de si mesmo.
Mas... Por que analisar uma palavra e sua origem se o
assunto em questão nesse post do dia 20 de novembro é a negritude? A resposta
para essa reflexão nos levará para outra pergunta: Sabendo o significado da
palavra consciência, será que o negro está realmente consciente de si mesmo
perante a sociedade? O negro está
consciente do valor de sua negritude? E, me perdoe o trocadilho, será que a Consciência
Negra é realmente consciente?
Antes de iniciar a discussão, sugiro que vocês vejam esse
vídeo, da peruana Victoria Santa Cruz, compositora, coreógrafa, estilista,
fundadora da companhia de dança Teatro y Danzas Negra e uma das expoentes da
arte afroperuana. A visualização desse vídeo é essencial para o resto da
conversa.
Este poema, escrito e interpretado no vídeo pela própria
Victoria Santa Cruz, fizeram ecoar em minha mente várias imagens e experiências
de minha vivência como negro. Mas essas experiências não são apenas minhas, com
certeza se viu refletido em muitas das palavras proferidas por ela em sua
interpretação visceral e, no final do ato, ouviram o som de uma palavra ecoando
em suas mentes: “Identificação”.
O Poema de Victória pode ser dividido em três partes: A
rejeição, O descobrimento gradual de si mesmo e a descoberta de sua identidade.
O Poema se inicia com um relato de Victória sobre rejeições sofridas em sua
infância. Rejeições que partiram de um opressor, que viam em sua cor motivo
para rejeitá-la. Gostaria que vocês prestassem atenção em um ponto importante:
A infância é o momento de construção da personalidade e formação da identidade
que provavelmente será levada para as outras fases da vida. E é justamente
nesse momento, que geralmente se dão os primeiros contatos com as rejeições à
cor. É nesse momento em que a criança negra procura se enxergar no mundo, mas
esbarra em estereótipos valorizados diferente dos seus.
Dessa forma, fica
difícil a identificação de sua identidade desvalorizada com a identidade
dominante e valorizada em sua sociedade como, que deprecia certos traços do
fenótipo negro como: Os cabelos diferentes, que são chamados comumente de
“cabelos ruins”, a cor da pele, o nariz diferente e diversos traços do fenótipo
negro que são ridicularizados em determinadas situações e desvalorizados em
diversos seguimentos midiáticos e até por supostos amigos que fazem piadas sobre
os traços dos negros e que levam xs negrxs, como diz no poema, a retroceder e
em certos casos, negar a sua própria etnia e sua origem para ser aceito em um
ambiente social.
Mas retroceder não é a saída. No início deste texto, questionei se a
consciência negra era realmente consciente. Isso é apenas uma outra forma de
perguntar: O negro se reconhece realmente como negro e sabe da importância de
se reafirmar todos os dias como tal? O negro está ciente de que, ao alienar-se
sobre sua cultura, rejeita a si mesmo?
Essas rejeições são barreiras na construção da identidade
negra. É essencial que o negro seja consciente de sua história e se descubra.
Na segunda parte do poema, a palavra “Negra” que soava como ofensa nos tempos
de infância, passa a soar como uma palavra que gera orgulho. Esse orgulho é
necessário para que o negro se afirme ante a uma sociedade em que a cultura
negra não é transmitida e trabalhada adequadamente. É preciso salientar que,
nessa transmissão da cultura negra, deve-se ter todo o cuidado para que ela não
seja segregadora e acabe se tornando opressora.
O negro deve se identificar
como cidadão no mundo e compreender a força de sua história para se alertar às
atitudes preconceituosas do opressor, mas não deve se fechar em sua negritude,
tal qual o branco opressor se fecha em sua branquitude. A identidade, depois
que desperta, não deve se fechar nela mesma. Deve servir como um caminho à
liberdade e ao orgulho.
E, dentro dessa discussão de preconceito étnico, cabe
salientar outro aspecto importante no que tange à busca da identidade negra: O
da mulher negra, duas vezes descriminada. Primeiro por ser mulher e segundo por
ser negra. A mulher negra acaba buscando não só a sua negritude, mas também se
reafirmar como mulher em meio a um patriarcado, uma sociedade machista. A
estrada a ser percorrida por mulheres negras é muito mais íngreme do que a de
um homem, em uma sociedade que favorece o seu gênero. Eu não vou me aprofundar
muito no mérito das discussões de gêneros, mas isso é um fato: A mulher negra é
duas vezes descriminada, sofre o dobro e a força necessária para se identificar
no mundo é o dobro.
Podemos perceber essa reafirmação dupla de identidade no
caminho percorrido por Victoria em seu poema, provavelmente é o mesmo que muitxs
negrxs percorreram e estão percorrendo até hoje. Partindo de uma rejeição
externa à rejeição interna e, consequentemente, à negação de si mesmo. Porém, com uma visão consciente de sua
história e de todos os males que a cercava, buscou em si mesmo o orgulho e
despertou a sua consciência negra.
Esses três estágios são recorrentes na vida
do negro e não são fáceis de passar por eles conscientemente. Por isso, seria
necessário medidas que passassem, de forma lúcida, a história dxs negrxs e suas
particularidades. Não podemos nos dar ao luxo de cairmos no mito da democracia
étnica. Dizer que somos iguais aos olhos da sociedade é uma mentira. E o
argumento de que “somos brasileiros somos produtos de varias etnias diferentes”
também não é forte o suficiente para que a cultura negra não seja transmitida
de forma contundente, visto que somos seres humanos, temos olhos e a pele negra
ainda causa impactos negativos à vista de algumas pessoas com mentalidade
tacanha.
Sendo assim, fecho o post com a última parte do poema de
Victoria, que demonstra o encontro do negro, outrora preso em seus medos e
incertezas sobre a sua identidade com o negro orgulhoso de suas características
e de sua etnia.
De hoje em diante
não quero alisar meu cabelo – Não quero
E vou rir daquelas
pessoas que por educação me chamam e por nos evitar me chamam de “gente de cor”
E que cor é essa?
Negra
E que lindo soa
Negro, Negro!
Por fim entendi,
Já não recuo mais,
Já avanço segurx,
Avanço e espero
E dou graças a Deus
de ter como cor da pele o negro âmbar.”
Agradecimentos especiais a Carla, por abrir o espaço de
seu blog para a minha humilde contribuição e a Samantha, que ouviu minhas
ideias e ajudou muito para o texto ganhar um corpo e a Daniela, que me mostrou
o vídeo. Obrigado pela leitura, abraços carinhosos.
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