quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

V é de Vulva: lembranças do Vulva la Vida II


V é de Vulva
lembranças da segunda edição do Festival Vulva La Vida


Carla Duarte

“Could I turn this place all upside down
And shake you and your fossils out?
Oh Oh”

(this is a review of Vulva la Vida festival 2012. my memories about it and in english check out here/ siga o vulva la vida no tumblr)

Se hoje fosse dia 24 de janeiro eu estaria tomando banho para sair da Pituba e ir pro Vale do Caneca para começar a ajudar a organizar as salas da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que logo menos receberia garotxs, mulheres, feministas, sapxs, bruxas, bicicleteirxs, queers, cats, punks e veganxs que participaram do Festival Vulva La Vida (FVLV) 2012.

Pois é, faz um mês que o festival aconteceu, e para algumas ainda reverbera no cotidiano. Um misto de preguiça, cólicas e correrias me impediram de escrever esta resenha/relato antes. Mas cá estou eu, e adianto que não consegui participar de todas as oficinas, por isso os comentários de algumas oficinas serão mais breves do que de outras. E é claro que esta escritura não tem o objetivo de ser um tratado, uma resenha jornalística “imparcial” ou uma versão integral dos acontecimentos. É a minha lembrança, a minha visão, que estou dividindo com vocês. E sabe qual é do lado positivo de ser ter um blog? É poder escrever o quanto quiser – escrevi pouco – sem ter um mestre sabido lendo tudo e cortando o que você escreve (ironia), vulgo editor.

Dito isso, voltemos ao dia 24 de janeiro, a terça-feira que iniciou o FVLV. A primeira oficina do dia foi a de Introdução aos Estudos Feministas, facilitada por Íris Nery e Carla Oliveira. A oficina/aula que era aberta para todxs - reuniu na sala de aula mais de 60 pessoas. Como dizem em Salvador essa era uma oficina “aperta a mente” (pressão, pressão!) que tratou das ondas do Feminismo, de teóricas de épocas diferentes e de movimentos liderados por mulheres de diferentes áreas de militância.


Foto: Carla Duarte

Na sequência, Carla Cristina dos Santos facilitou a oficina Mulheres negras: (re)ssignificando identidades: rap e poesia para falar sobre si mesma através da arte, que eu não participei, mas a Íris participou e conta como foi.

"Carla trouxe pra oficina uma série de referências de mulheres negras tanto da poesia como da música, como uma forma de conferir visibilidade à essa produção (politicamente invisibilizada) que desafia os cânones racistas que historicamente conferem à mulher negra o lugar do objeto (e nunca sujeito).


Durante a oficina me lembrei muito do texto da Audre Lorde“Transformando o silêncio em linguagem e ação”, e foi nessa vibe que as letras e poesias foram lidas/representadas/ proclamadas pelas participantes da oficina, num movimento de ressignificação e tomada da palavra, que se tornava então viva e poderosa." 
Leitura de poesias na oficina
De noite rolou o acolhimento, momento em que todxs tiveram para construir o acordo de convivência, que foi escrito e afixado na parede, visível e claro para xs participantes do festival. Consenso e consentimento, usar a linguagem de acordo com o gênero da pessoa (e não presumir gênero alheio) e manutenção do espaço foram os principais tópicos presentes no acordo.

Fala daqui, fala de lá


”Can I decide to show myself? Oh Oh
Take me to the source of chaos let me be the butterfly”

O dia 25, quarta feira, tinha na programação várias oficinas interessantes que me marcaram bastante, começando pela manhã com a conversa Anti Opressão, facilitada por Caro. Um zine feito à mão foi distribuído, e nele estavam listadas várias ações e falas que são opressivas. Foi uma oficina que mostrou que este assunto não é uma discussão para uma tarde ou para um dia. Não é com cinquenta minutos que alguém começa a atentar para xs outrxs que estão ao redor, não é mesmo. Acho que essa discussão deve ser absorvida e incorporada as nossas práticas diárias, porque nós não queremos ser opressorxs e violentxs com amigxs, namoradxs, familiares e com todas as pessoas que lidamos no dia a dia, né? Eu imagino que nós não queremos ser opressorxs, se nos dizemos feministas e interessadas em nos fortalecer e nos apoiar sendo solidárias umxs com xs outrxs.
"Mas me dizer para não usar uma linguagem racista, sexista e não é TAMBÉM opressivo?
Ah meu deus. NÃO!" | Por Kara Passey

*Ableist segundo a wikipedia é um tipo de discriminação corpórea, seja por habilidade motora e/ou física. Não achei tradução do termo em português. Se alguém souber, compartilha conosco.

Por volta das 13h nós almoçamos as maravilindas quentinhas feita pela Rango Vegan. Não é necessário dizer que qualquer uma que for a Salvador e não comer na Rango é bocó e ta dando mole, né?

Um pouco depois das 14h Sista Kátia e Camila Puni estavam a postos para facilitar a oficina O cabelo é feminista, e simultaneamente, na sala ao lado, Bete, Flávia e Bianca Chizzolini (Tesourinha) facilitavam a oficina Agulhas, linhas e bordados: feministas construindo suas corpas. Não consegui participar da oficina de Bordados, mas a Ellen participou e registrou, ó






 Participei da oficina de cabelo, onde uma aproximação histórica e física com o assunto foi sugerido. Porque não temos o hábito de cortar o próprio cabelo? Porque não dar a ele novos significados que saiam do socialmente do espectro de gênero esperado e desejável? Porque nos é ensinado que o cabelo crespo não é bom? Esses foram alguns dos assuntos que foram discutidos na oficina. Kátia levou vários tecidos e fez turbantes nas meninas, e Puni, que é cabeleireira levou seus apetrechos e propôs a prática: ela cortaria cabelos e ensinaria outras garotxs a cortarem seus próprios cabelos. A oficina saiu da sala de aula para  espaço de convivência, no corredor, onde várias garotas ficaram por lá cortando e sendo cortadas. 
Luciana teve o cabelo cortado! | Foto: Cara Duarte
DiValéria cortou a franja
Lá pelas 17h rolou a oficina mais carioca do festival soteropolitano. Débora Schluckebier e Gabriela Marques facilitaram e oficina Funk, feminismo e subversão. As letras e o local de fala da mulher nas letras de funk foram discutidas, bem como quais são as funkeiras que a sua própria maneira estão fazendo música e respondendo ao machismo. Como o melhor fica guardado pro final, as mina pira e fazem um funk, que pode ser ouvido aqui!

Acabou que a exibição de filmes não rolou, mesmo com as televisões lá. Acho que foi o trânsito de oficinas, atrasos e vontades de continuar em algum assunto. E outras oficinas que não estavam na programação divulgada no blog do VLV, pois foram construídas e sugeridas dentro do próprio festival aconteceram. Achei demais essas oficinas terem rolado, não só pela construção coletiva e horizontal, mas também pelos temas fodas que surgiram, como Tecnologia, WenDo  e Saúde Subversiva.

A encontrADA vai rolar em Visconde de Mauá (RJ), mais infos em breve!
               
            A quinta feira, dia 26, começou e logo pela manhã rolou a Oficina sobre feminismo negro: conversando sobre negritude>raça>racismo encontram feminismo (vs) sexismo (lembrando que: “a palavra é afiada e contamina”), facilitada pela Tatiana Nascimento e Luiza Rocha. Com uma dinâmica própria a oficina trouxe diversas situações racistas para o debate. Não só expor a existência desses casos foi também discutido como reagir quando eles acontecem e como cada experiência é única, seja ela de racismo, seja como enxergamos nossa própria cor e como construímos nossa identidade.
             
            Na sequencia Lina Alves facilitou a Conversa e oficina de anti-arte feminista faça você mesma, que teve seu momento teórico – com obra de diversas artistas feministas – e seu momento prático – cortando stencils e pensando uma intervenção urbana, que ficou fera demaaaaaais. Olha:

"Até você, mãe? Virou feminista! | Even you, mother turn out as a feminist!" | Foto: Martha Gonzalez

Não participei da oficina de bateria (perderia outras que estava muito pilhada), mas Íris participou ó:

"Eu nunca havia sentado numa bateria na minha vida, até então. Vez por outra, já tinha passado esporadicamente pelo violâo, baixo, guitarra… mas a bateria parece ser o último reduto masculino no rock, envolta em mitos envolvendo força física, virilidade, né? Isso foi até eu participar da oficina ministrada por Fernanda Terra, na segunda edição do Vulva la Vida.


Depois de uma breve explicação sobre baquetas, postura, rudimento e partitura, lembro das carinhas hesitantes na hora de pôr em prática os ensinamentos daquela tarde. As vezes, há situações práticas que dispensam mil discursos… acho que esse momento foi um deles. Com simplicidade, Fernanda conseguiu tornar aquelas partituras, impressas nas apostilas distribuidas, em algo inteligível até às mais leigas (como eu!). Não dava pra conter as palmas e sorrisos a cada vez que uma de nós levantava da bateria. Guardo com carinho as lembranças daquela minha primeira vez (de muitas, espero) e a minha cópia da apostila!"



                A quinta foi fechada com mais uma oficina da Tatiana Nascimento, dessa vez foi a oficina feminista de produção de textos, onde Tate teve o apóio da Patrícia Valério, Bianca  Chizzolini e Luiza Rocha. Cangas coloridas espalhadas pelo chão da sala e a sorte de um ar condicionado funcionando refrescava o ambiente.

"Não se esqueçam de ler o texto e trazer sua cartinha : )" O texto é Falando em línguas: uma carta às mulheres escritoras do terceiro mundo, da Gloria Anzaldua, para quem ficou curiosa 
             A minha experiência foi a de uma oficina muito subjetiva e particular, e isso amplificava toda a dinâmica. Acho que cada uma quando puder deve experienciar. Estórias, relatos e diárias foram contadas e recontadas pelxs participantes, que após a leitura coletiva ora davam boas risadas ora ficavam mais caladas. Essa tela feia de Word que imita uma folha nunca vai ter a beleza das cadernetas que nós ganhamos.

Dia 27 chegou e com isso uma sexta-feira, em que eu aguardava pela primeira oficina do dia: Oficina sobre construções e a vivência de seus efeitos. Uma proposta bacana e que exigia (pelo menos de mim) coragem e vontade de dividir experiências pessoais. Para uns isso é mais indolor e fácil do que para outras e às vezes no meio do caminho a gente decide não mais participar, e isso não é ruim. Lembra da oficina anti opressão?

As facilitadoras da maior lista de espera de oficina, A verdade crua do corpo nu, acabaram desistindo de realizá-la. Para a última oficina do dia, a de Consenso sexual entre lésbicas não participei.

Esse ano rolou o Correio Elegante, que não rolou ano passado. Ora, não estamos mortas nem nada, demonstrar e receber carinho entre azamigue foi o que rolou. Sem contar que, modéstia a parte, a caixa ficou lhinda! ;)

Girl Hate? Not here. 
E a sexta também foi dia de aquecimento: o momento de bater a cabela e andar pelas ruelas do Rio Vermelho foi interrompido bruscamente. Violência praticada por mulheres contra mulheres não é algo raro, tão pouco a confusão entre o que é público e privado. Adicione a essa horrorosa receita um montão de opressão e machismo. Não vou discorrer sobre os pormenores do caso para não expor a agredida. Houve reação na hora e posterior, apesar dos pesares. Mas acho que é vivendo que percebemos e conseguimos apoiar umxs xs outrxs de forma efetiva. A organização do VLV fez uma nota pública, leia!

Panfleto distribuído no sábado

4PROPRI8+QUEENG projeto de experimentação sonora/visual na qual são misturados os ruídos com imagens e desenhos que exploram a temática feminista. Por: Vanessa Michelis e Lina Alves | Foto: Priscila Lima 

Roberta Nascimenta na performance Estética da ViaCrucis | Foto: Priscila Lima
Lisavietra Dias na performance Calçolas


O sábado, dia 28, começou com a oficina Maria da Penha em casos de Lesbofobia, facilitada pela Tatiana Nascimento. A atividade tinha mais de cinqüenta inscritas e foi uma das oficinas mais vazias. É foda ver o não comprometimento de tantas pessoas. A lei – que é citada até em letra de funk (aprendi isso na oficina de funk, ho ho ) – é a primeira que reconhece na constituição relacionamentos afetivos não heterossexuais. Talvez essa característica não seja de conhecimento de todas porque a mídia e as campanhas realizadas para falar sobre a lei não pontuam isso.

A próxima atividade do dia era a da Mabel Dias, na Roda de diálogo Sem pátria, sem marido, sem patrão: a luta das feministas autônomas e das anarquistas ontem e hoje. A oficina, porém, foi adiada pelos debates sobre como reagir ao caso de violência da noite anterior, e infelizmente a oficina não aconteceu. Já a Oficina de montagem de palco,  facilitada pela Vanessa Michelis de som rolou e foram as garotas que participaram que cuidaram da correria de organizar o som das bandas, no show que rolaria mais tarde. 
Oficina de Montagem | Foto: Sista Kátia
Os shows foram demais e cada banda relembrou alguma clássica feminista dos anos 90-00, seja com Bulimia (todaspoga) ou com Santa Claus (todasdança). Tive mais uma vez a chance de ver aquela força feminista swingada que é a Munegrale. Hip hop feminista soteropolitano que só quem fica paradx é punk tímidx ou quem é bocó. Vi pela primeira vez a Estamira e Macumba Love, dois shows fodas e cheio de energia – um do \m/ e outro dos acordes noventistas a lá Veruca Salt. Tocaram também Sapamá (RS), Bertha Lutz (MG), Mahara (BA) e Reabilitação S/A (BA) e Jadsa Castro (BA), com um voz e violão foda.


Jadsa Castro | Foto: Priscila Lima




Munegrale | Foto: Priscila Lima


Mahara  | Foto: Priscila Lima 

Sapamá (Porto Alegre)  Foto: Priscila Lima 

Bertha Lutz (Belo Horizonte) | Foto: Priscila Lima


Estamira (DF) \M/ 





O temido último dia de festival chegou, e com ele uma porção de comidas gostosas: da feijoada da Rango Vegan aos Cupcakes Tomboy – feitos na oficina de Martha Gonzales - um monte de conversa e trocas. O adeus foi postergado e levou todxs a praia do Porto da Barra de noite. Algumas ficaram, outras foram.

Martha  fazendo os cupcakes o___o | Foto: Sista Kátia


Siiim, tava muito bom! | Foto: Sista Kátia

E a Kátia aprova também ;) 
Se a primeira edição do vulva foi marcada por debates e perceber o que era/seria esse festival, em 2012 ele ficou mais denso, colorido, peludo e participativo. Isso me parece positivo, e nos mostra que temos sim que nos articular, convesar e olhar uma para as outras para enfrentar situações inesperadas, até de violência, e reagir. Há boatos que em 2013 você terá a chance de ir para Salvador e participar do festival. Se isso é tá mal hein.. 
Foto do último dia pós feijoada e despedidas! Veja mais fotos aqui 

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