terça-feira, 29 de março de 2016

entrevista: Bah Lutz fala sobre o projeto 'Riot Grrrl Brasil'





Era uma vez, a muito tempo atrás, o movimento Riot Grrrl. A explosão punk feminista em Washington se espalhou pelos Estados Unidos, Europa e pelo Brasil. A partir de meados dos anos 1990, bandas como, Dominatrix, Bulimia, Kaos Kliotoriano, Keep on Rioting, Bertha Lutz (para nomear algumas) surgiram. Zines como, O Berro, Burn! Don't Freeze e Kaóstica circulavam inspirando as garotas a se organizarem e produzirem seus próprios projetos. Eventos foram realizados, bandas começaram e terminaram, tretas aconteceram e pessoas de distanciaram e se grudaram.

O que não muda é o fato do Riot Grrrl ter inspirado - e ainda ser - uma força forte para que garotas e mulheres se empoderem, criem e sobrevivam. Esta história está contada em zines, sites em html tosco, fotologs e nas nossas memórias. Claro, ele virou tema para várias pesquisas da área acadêmica (dá um confere no Scholar Google para ler alguns artigos) e muito tem se falado desde então.

O projeto 'RIOT GRRRL BRASIL: Memória, Registro e Afeto', que é a Tese de Conclusão de Curso em Design da Bah Lutz (da banda Bertha Lutz, de Belo Horizonte), e é o primeiro a resgatar a história do Riot Grrrl no Brasil de forma ampla. Audacioso, fundamental e colaborativo, estes são alguns dos adjetivos para caracterizar este registro, que contou com o relato de diversas pessoas que fizeram (ou fazem?) parte desta movimentação punk feminista no Brasil.

Bah explica que, o objetivo do projeto é conectar as participantes/leitoras às suas memórias afetivas relacionadas ao movimento através de: em primeiro lugar, do resgate e da centralização da sua história, e por se tratar de um movimento que se manifesta principalmente através da música e da ação política, através também da utilização de outros recursos além do textual para uma maior aproximação do leitor (ou da leitora) ao resultado final. 

Confira a entrevista em que ela explica mais sobre o processo de produção e babe nas fotos do livro experimental! 

Entrevista: Carla Duarte
Respostas e fotos: Bah Lutz


Cabeça Tédio) Por favor, apresente o seu TCC para as leitoras. Como ele foi organizado, feito e do que se trata?

Bah Lutz: Eu estou me formando em Design Gráfico e escolhi fazer meu tcc na área de design editorial/experimental. Demorei um pouco para decidir fazer sobre esse tema, mas fez muito sentido e me fez entrar em contato direto com a história do Riot Grrrl no Brasil e minha própria história de militância e feminismo. O projeto se chama “RIOT GRRRL BRASIL: Memória, Registro e Afeto” e a ideia central era reunir relatos sobre a história do Riot Grrrl através da perspectiva de quem participou e abordar essas histórias focando nas relações de afeto. O meu objetivo era transmitir através de experiências gráficas que dialogam com a estética do Riot Grrrl, essa aura nostálgica e de ligação de afeto instantânea com o livro/zine.

O projeto se dividiu em três etapas: 

- Coleta de referências. Eu mergulhei profundamente na história do Riot Grrl, tanto nos EUA quanto no Brasil, abri meu baú de recordações, procurei zines antigos, fotos, cds, fitas k7, desenterrei bandas e músicas que me marcaram. Foi uma grande imersão para de alguma forma me reconectar com aquela energia riot que me arrebatou quanto eu tinha 14 anos.

- Coleta de dados: Gerar conteúdo escrito para um trabalho essencialmente gráfico foi um grande desafio, pois apenas a minha versão da história não bastava para encorpar o projeto da maneira que eu gostaria, pois eu vivi um momento específico do riot grrrl e morando em Belo Horizonte/MG a minha referência de organização independente de shows e articulações riots era bem limitada a essa esfera. Surgiu então a vontade de reunir vozes diferentes para contar suas próprias experiências e levando em conta a clássica “chamada pública” muito característica do punk e do riot, eu decidi abrir um formulário online onde qualquer mina que participou de alguma forma do  movimento pudesse dividir sua história e suas lembranças. Também pude fazer algumas entrevistas pessoalmente o que enriqueceu muito o conteúdo.

- Produção gráfica: Eu já tinha as referências e o conteúdo textual, para finalizar precisava decidir o formato que o livro/zine teria. Para fugir um pouco do formato tradicional de publicações independentes eu trabalhei com uma conceituação temática. Eu dividi todo o conteúdo textual que havia obtido, em quatro categorias.

1) ORIGEM: que trata das origens do movimento no Brasil e o impacto do movimento na vida das participantes. Os conceitos associados são: Início, Empoderamento; Desafios

2) FEMINISMO E MILITÂNCIA: engloba as experiências a partir da perspectiva política e feminista do movimento. Os conceitos são: Enfrentamento, Ação Direta; Luta

3) GIRL LOVE: trata da parte afetiva e dos relacionamentos de amizades
entre as participantes. Os conceitos são: Sororidade; Laços; Afeto

 4) LEGADO E FUTURO: aborda a reflexão entre o passado, seus frutos e perspectivas para o futuro do movimento. E os conceitos associados são: Memória; Continuidade

Através dessa divisão pude trabalhar graficamente cada aspecto e conceito. O resultado final foi um livro/zine conceitual que se desdobra em outros objetos e suportes gráficos que fazem parte do universo Riot Grrrl. Zine, stickers, lâminas de stêncil, fichário de recordação, cd, fita k7. E através desses suportes eu fui distribuindo o conteúdo textual.









CT) Quantas mulheres responderam o questionário que faz parte dos livros? Há relatos de várias parte do país? Os relatos contemplam que período (em anos/décadas) do Riot Grrrl?

BL: Cerca de 30 mulheres responderam o questionário e o mais incrível foi a diversidade presente nas vivências e histórias delas dentro do Riot Grrrl. Houve a participação de figuras centrais do início do Riot Grrl nos anos 90 até meninas adolescentes que tiveram contato recente com o movimento. E muitas respostas fora do eixo Sudeste - SP/RJ. Fiquei muito contente com a repercussão do questionário. Obrigada Cabeça Tédio pela ajuda na divulgação.


CT) Como fazer o livro afetou a sua relação com o Riot Grrrl?

BL: O Riot Grrrl esteve presente na minha vida nos últimos 15 anos de maneira muito intensa, mas com o passar do tempo eu fui reconstruindo várias outras maneiras de vivenciá-lo no meu dia-a-dia. Mas esse trabalho me fez resgatar a minha história com o riot, como ele me influenciou desde muito cedo, como as grandes transformações e empoderamento ao longo da minha trajetória estavam essencialmente ligados ao Riot Grrrl, militância feminista e minha atuação com a minha banda riot. Resgatar esses momentos foi muito rico pra mim.







CT) O seu TCC é o primeiro registro em livro (mesmo que por hora sem tiragem) mostrando a infulência do Riot Grrrl no role Punk Feminista brasileiro. Você pretende lançar algum projeto ou financiamento coletivo para lançá-lo nacionalmente?

BL: Nesse momento quero só descansar a cabeça do desgaste profundo de fim de semestre e conclusão de curso ehehehhe. Mas penso em transformá-lo em um projeto maior, reunir mais depoimentos e histórias que o prazo do projeto do tcc não permitiu aprofundar. Penso em transformar em algo público e coletivo talvez um acervo digital de depoimentos.


CT) Depois de fazer este livro, quais são suas perspectivas em relação ao punk feminismo da atualidade? Estamos muito paradas ou ainda estamos criando alguma coisa?

BL: Tem muita coisa acontecendo, talvez o cenário musical esteja num momento mais parado, mas as ideias e preceitos do Riot Grrrl tão aí firme e forte. A minha banda ficou um ano e meio sem fazer show e quando tocamos em um festival feminista ano passado eu vi tantos rostos novos, tantas meninas adolescentes curtindo no mosh pit, foi muito massa ver que a cena ta se renovando, mesmo que bem lentamente.


CT) Use esse espaço pra qualquer consideração que queira fazer e eu não tenha perguntado antes.


BL: Brigada Carla e Cabeça Tédio pelo espaço, por acreditar no projeto e ajudar na divulgação.É noix e Riot Grrrls Will Never Die.

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E você, tem algum projeto ou artigo acadêmico falando sobre o tema? Conta pra nós nos comentários! 


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