sábado, 9 de maio de 2015

A minha relação com o álbum "Domestication", da TRY THE PIE

Coluna do Nandolfo

"Faminto por algo que eles nunca vão encontrar. Não poderia haver outra maneira?" Unpronounced, Try The Pie


 Foto por Adrian Discipulo

Bean Kaloni Tupou (aka Christine da Sourpatch e Crabbaple) lançou em abril o primeiro full (Domestication) de seu projeto solo, TRY THE PIE, e caiu pesado por aqui, gente. Primeiro, porque é lindo, expressivo, contemplativo e de muito bom gosto. Quem gosta de poppunk, acompanha a cena em San Jose ou lê o blog da Carla não se admiraria do disco ter saído tão bom, por conhecer um pouco do que a Bean é envolvida no punk e de suas bandas perfeitas.  

Segundo, porque o Domestication carrega amor e desencontro, o acolher e a despedida. Ele traz a lembrança, te faz olhar os álbuns de fotografias, te une com seus ancestrais, deixa à mostra suas raízes. Faz você acordar no meio da noite e dar um beijo em seu irmão dormindo, ou admirar da porta o quanto sua filha cresceu. Te faz pensar na vida e nas relações que não se fizeram, mas aí você levanta os olhos e vê o quanto é forte e incrível o que foi construído.  São desencontros que  promovem encontros. Okey, muito rápido? Ouça o disco no seu tempo e na sua calma, porque há muito mais vida aí.





Foto retirada da entrevista feita pela Victoria Ruiz, na Impose Magazine


Essa relação com o desencontro é forte, gente. Talvez seja apenas o momento instável rondando a vida, os vinte e poucos anos indo embora e aquele sentimento maluco dessa idade que mistura pé no chão e os mais incríveis sonhos. E como diz a letra da Bean, "não poderia haver outra maneira?". Eu acredito mesmo que toda despedida é um encontro.  Quando falo em despedida e desencontro, é do desapontamento, do cansaço emocional, da desesperança que falo. E como isso nos faz voltar pra nós e tratar as nossas relações de novas formas. E esse disco veio pra reforçar toda ideia boa por trás disso. 

Em uma troca rápida de e-mails, ela confirmou o que a música já havia me mostrado, o que sentimos e percebemos do mundo é tão afirmativo quanto o abraço de uma amiga, é real em todo e qualquer lugar disposto a nos receber. Isso é pra dizer, no fim das contas, que não estamos sozinhs. Domestication é mais que deixar vidas, perspectivas e pessoas pra trás. É sobre nós. Quem somos hoje, agora. 

Domestication lembra uma parte da minha vida que temo, mas que sempre revisito e percebo como sou muito do que ficou. Uma época confusa e de conhecimento, acima de tudo. Você fez neste álbum uma música que conversa com a alma, convida os ancestrais, acolhe o passado e se despede. Domestication é sobre despedida? 
Bean: Eu aprecio que você possa se conectar tanto com o álbum, isso me faz sentir muito bem. Domestication é um pouco sobre despedida, é também sobre co-dependência, vícios, isolamento, obsessão e, finalmente, sobre a aceitação. Talvez seja sobre a aceitação de que temos parte em quase tudo e todos em nossas vidas, em algum momento.

Você lida muito com o outro no Domestication. Você acha que as pessoas, as relações, são necessárias para um entendimento do que somos? E somos porque somos por elas?
Bean: Sim, eu acho que os relacionamentos são completamente necessários para uma compreensão de quem somos. A maneira como tratamos o outro, a nossa forma de observar as pessoas, as formas que processamos são ideias muito importantes sobre quem somos.

Li sobre a música "Thomas", sobre do que se trata e considero a música mais bonita do álbum. Acho que ela retrata todo esse amor que fica na despedida. E me faz querer abraçar meus irmãos e minha filha a todo momento, na tentativa de tê-los pra sempre.
Bean: Obrigada! Estou feliz que faz você querer abraçar seus familiares, a canção é sobre um membro da família, de modo que parece apropriado. Eu acho que a minha motivação para fazer canções é ajudar elevar o que eu estou sentindo no momento e condensá-lo em algo compreensível que eu posso compartilhar com as pessoas. Estou feliz que você pode se relacionar com essa música, que é uma das minhas favoritas.


"Flood or Drought" e "Thomas"

Difícil escolher a música que mais gosto, viu. Por isso separei duas que representam esse momento.
O disco mescla uma pegada pop punk com coisas mais calmas, que funcionam bem na ideia inicial de ter somente voz e violão.

Flood or Drought é uma dessas calmas, que transmite silêncio, como uma canção no fundo de um galpão vazio. A impressão é que o reverb do vocal está nas alturas, mas se você ouvir bem vai perceber que é o eco do espaço vazio que a música passa. A letra parece ser sobre a necessidade de alguém, sobre a presença do outro que dá todo sentido.

"O que foi que me fez me perder em você,
E então me fez reconsiderar?
Ele passou correndo antes que eu tivesse tempo para sequer agarrá-lo.
Vou tentar lembrar.
(... ) Apenas diga que estarei sempre por perto
E tudo vai passar"

E aí tudo fica mais instável quando você percebe que essa necessidade pode ser um sinal de dependência, você se vê em um relacionamento abusivo e é incrível como as coisas se fizeram assim. Não sei mesmo se essa letra trata disso, mas comentei sobre isso em um outro post e acho que é nesse momento da nossa vida que o peso é maior, a dor é mais nítida e os caminhos são mais reduzidos.  

A outra música é Thomas e é a mais linda, sem dúvida. Ritmo lento que acompanha a voz linda da Tupou. Guitarra repetida, que transforma a música quase que em um processo. Em uma entrevista para a The Media, ela explica que essa música foi a maneira que encontrou de conversar com o irmão sobre a morte da mãe e que de uma forma geral a música representa toda experiência que vivemos com nossa família. Uma poesia, um encanto mesmo a forma como a música se faz, com toda a carga confusa que ocorre quando se trata de um sentimento que é difícil registrar.   

"Esta rede fica fina e larga
Você está lá onde residem as visões
E sabe o que está comigo
Nós sentimos o vazamento lento do tempo"

Se você puder, vale muito a pena ter esse registro. Ele saiu pela Salinas Records e rola o digital pelo bandcamp. Um dos discos mais expressivos desse ano, até agora. E como eu disse no início, não esperaria algo diferente vindo da Tupou. 

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