quarta-feira, 23 de julho de 2014

Ana Luísa Flores: das galerias aos zines

De Amarelo Saturno a Bilis Negra: 10 livros foram confeccionados manualmente - Foto: Ana Luísa Flores


Transitando por diversos suportes – como desenho, instalação, vídeo, litografia e gravura – está a artista visual Ana Luísa Flores. A volta redondense concluiu recentemente “O Gesto Rasurante ou o Resíduo de Incerteza”, sua dissertação de mestrado em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)  e o produto deste trabalho é o livro “De Amarelo Saturno a Bilis Negra”, que foi confeccionado manualmente e tem como tema o discurso científico e a produção de conhecimento.

Nos dois trabalhos está presente a rasura, o ato de corrigir, de rasurar, e o tema sempre perpassa os trabalhos de Ana Luísa, seja em “Sobre Passagens” ou em “Rasura”, de 2012. A artista se interessou pelo assunto quando teve contato com a gravura. “A gravura é uma linguagem gráfica e a rasura é um procedimento disso. É um processo de aperfeiçoamento, mas que por se feita em excesso leva a um apagamento”, observa.

Outro tema que também está presente tanto na dissertação quanto no livro é a produção de sentidos e verdades do discurso científico. Segundo Ana Luísa, essa discussão a interessou mais do que as do campo artístico, mas ela reconhece a importância dos dois debates. “A discussão sobre o discurso científico estava me impressionando mais pela potência da lógica e da falta de lógica do que propriamente o discurso da arte”, conta.

Ana Luísa levou a temática para sua produção após ler Italo Calvino, autor que atribuiu às questões do conhecimento científico um apelo fantástico. “Calvino fala em cima de certas verdades filosóficas e científicas, e foi isso que me atraiu muito. É como se fosse uma quebra desse discurso científico que legitima as verdades que a gente tem sobre gravitação e luz, por exemplo”. Atualmente, a artista tem questionado em seus trabalhos discursos que foram aceitos como verdade, e não deixa de apontar as subjetividades que envolvem a ciência.

A artista acumula quatro exposições individuais e 16 coletivas, mas afirma que prefere as coletivas. “Gosto mais de exposições coletivas. Ver o conjunto dos trabalhos e compartilhar com outras pessoas é muito bom. E as exposições individuais exigem um pouco que os trabalhos sejam coerentes entre si, mas as vezes eles não são”, acrescenta.

'Anéis de Malpighi', de 2012


Independente do mercado da arte
De um lado, muitos artistas não conseguem sobreviver apenas com suas produções, do outro, há a expansão dos editais que se tornam uma opção de captação de recursos e no meio do caminho, milhões de reais são movimentados no mercado da arte. Ana Luísa Flores é reticente em função de várias questões mercadológicas da área, e questiona se a discussão é o valor intrínseco do trabalho ou o valor mercadológico da obra.

A artista lembra que estimular a produção independente é uma alternativa dentro desse cenário, e ressalta que em diversos locais existem artistas produzindo sem uma estrutura de mercado e cita Paulo Bruscky, uma das principais referências brasileiras no Movimento Internacional de Arte Postal, como exemplo de artista independente que produziu por muitos anos sem apoio do mercado, e que só foi reconhecido nacionalmente após obter visibilidade institucional.

“Ele trabalhou a vida inteira como funcionário público no Banco do Brasil, sempre com ateliê e produzindo muitas coisas. Ele trabalhou com xerox art, mail art, coisas que não eram trabalhadas no Brasil, e ele não deixou de produzir a vida toda porque não tinha apoio”, frisa. 



Alguns zines distribuídos pela Cyclops Edições, da qual Ana Luísa faz parte - Foto: Ana Luísa Flores


Artemísia Gentileschi

Essa foi a primeira artista mulher que Ana Luísa Flores se lembra de ler lido em um livro de História da Arte. “Ela tem um trabalho potente e pintava ainda no período barroco. É muito interessante o trabalho dela com toda aquela carga barroca, da igreja católica. Ela começou a pegar várias passagens do velho e do novo testamento que tem a figura da mulher e as representar de forma não submissa, e é muito impressionante a pintura dela, é muito forte”, recorda.

Uma das obras mais importantes da pintora é “Judith Slaying Holofernes”, na qual retrata Judith - a que libertou o povo da Judéia - cortando a garganta de Holofernes. Segundo Ana Luísa, não era recorrente no período barroco uma mulher representar outras mulheres assumindo o domínio da situação. Embora a discussão de gênero e feminismo não seja tratada de forma explícita no trabalho da artista, ela acredita que as referências culturais e estigmas sociais do local em que se vive estão presente em suas obras. 



Atualmente, Ana Luísa tem executado seus trabalhos tendo como suporte os zines e é uma das envolvidas na Cyclops Edições. Alguns zines recentes de Ana Luísa, são: Anéis de Malpighi, Zinenxofre e De Amarelo-Saturno a Bílis Negra que podem ser encontrados na Cyclops e em feiras de zines. Assita a cobertura da 2ª Feira de Zines da Labe, que conta com diversos zines do Sul Fluminense.

Esta matéria foi produzida para um trabalho da faculdade, bem como o vídeo abaixo em que Ana Luísa conta um pouco mais sobre “De Amarelo Saturno a Bilis Negra”. 


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Essa é a terceira e última postagem de uma série de três que discute o espaço da mulher na arte a partir da exposição “Elles: Mulheres Artistas na Coleção do Centro Pompidou”. Essa matéria só pode ser reproduzida em outros blogs/sites se respeitar o seguinte crédito: Por Carla Duarte - post original no blog Cabeça Tédio.  Leia a primeira e a segunda matéria.

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