sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Entrevista: Teu Pai Já Sabe?

Teu Pai Já sabe? é uma banda de hardcore/punk de Curitiba, formada em meados de Janeiro de 2008, por Mamá, Felipe, 7 metros e Hugo. Eu considero umas das bandas mais legais que apareceram nesses últimos anos, um hardcore simples no estilo do Limp Wrist, com uns toques de oldschool do Gorilla biscuits e outras bandas da mesma linha. E junto com uma proposta queer no discurso, nas letras e nas conversas. Valeu, meninos, pela entrevista! O contato deles está lá no final. Escreva, escute as músicas, vá aos shows! Up the QueerPunx!
Fotos por Diego Cagnato/cwb.
(Essa entrevista saiu no zine Pauta Lixo, mês passado. Se quiser uma cópia, escreva para fernandonandolfo@hotmail.com )


1- “Sinta-se a vontade ou não, fazemos parte dessa cena”. Acho que tudo começa por aqui. Há uns 8 ou 9 anos atrás eu fui no meu primeiro show de Hardcore. Foi a primeira vez que ouvi uma banda falar sobre homofobia. Na época eu via isso sendo discutido na cena hardcore daqui, via pessoas do mesmo sexo se beijando nos shows, via de fato que o punk não era apenas para os meninos hetero-brancos-classemédia. Depois de um tempo isso parou de acontecer. Não se conversava mais sobre isso, como se fosse senso comum. E não era, nunca foi. É só ver o tanto de “punk crente” surgindo da mesma cena que se dizia libertária. É só ter uma conversa um pouco mais séria com quem freqüenta os shows pra ver a homofobia ainda bem perto. A minha pergunta então é, o discurso hardcore é mesmo tão chato? Ser uma banda panfletária é mesmo tão ruim? Será que conversar em um show não é mais necessário?

Mamá – Fernando, acho que os discursos no hardcore/punk foram ficando desgastados, como se já não precisasse mais ser dito, ou como você disse: “ parecia que tinha se tornado um senso comum no meio”... os discursos sobre homofobia deram lugar a outros discursos, alguns válidos e outros nem tanto. Muito do “espírito” hardcore/punk foi morto pela religiosidade no mesmo, religiosidade esta que espalhou muito preconceito, machismo e comodismo.
Ser panfletário as vezes passa uma visão meio chata, e cansativa, por isso preferimos abordar de uma outra forma..divertida, com sarcasmo e ridicularizando ainda mais gente machista, nazismo, racismo, homofobia . Uma coisa que sinto muita falta é da época em que nos shows rolava muito fanzine pra ser distribuído, panfletos, um hardcore/punk mais politizado , sabe? Mesmo que muitas vezes inocentes em muitas opiniões e assuntos, sei lá, acabava bem mais sincero que hoje em dia.

Felipe - Eu não acho chato não. Acho que conversar em shows é bom. Apesar da gente tentar fazer letras mais engraçadinhas, a gente sempre acaba falando algo entre as músicas. O que parece esquisito é que não são tantos mais que estão dispostos a discutir algum assunto em um show. Pessoalmente, eu prefiro os shows com algum debate, palestra ou exposição de arte. Acho mais legal.

2- Segundo o GGB, em 2008 cerca de 190 homossexuais foram mortos vítimas da homofobia. Isso sem contar as mortes que não foram consideradas pela polícia como causa o ódio e as inúmeras agressões sofridas pelos homossexuais em todo o país. E é incrível como essa realidade é pouco divulgada. E aí, gente, que porra é essa? São pessoas morrendo por serem gays. Pessoas morrendo, cara!

Mamá – É triste demais , Fernando, triste. Cara, aqui pra estas bandas também acontece muita coisa. Eu sempre fico questionando tudo isso, quantas travestis foram, e são mortas brutalmente aqui em Curitiba? Cara, aqui é o inferno não diferente de muitos outros lugares no mundo todo, e quando se trata de travestis, negros, pobres, mendigos é ainda pior, porque aí impera a lei da omissão. Nestes último mês aqui foram mortas muitas em um mês só...muitas cara..são vidas, entende? E a tv e os jornais mostra de uma forma idiota e ridiculariza como se fosse nada, como se não valesse a pena falar sobre isso de um ponto de vista mais sério. Infelizmente está longe de acabar esse ódio todo contra o “diferente”, e depende de cada um de nós aqui fazer a diferença, discutir isso no trabalho, escola, faculdade, em casa, e por aí vai. É preciso acabar com toda essa intolerância.

Felipe - Cara, eu me irrito só de pensar nisso. Saber que alguém mata o outro apenas por não concordar com a opção sexual dela. Esses dias mesmo li que soltaram uma bomba no dia da Parada Gay de SP. É o tipo de coisa que me deixa bem irritado. O sujeito que fez isso não pensa. Ele pode até ter machucado heteros no meio, mas a homofobia parece quecegou ele.

3- Aquela banda que citei na primeira pergunta é a Contrataque de Belo Horizonte e a letra que trata da homofobia é essa: “Sua raiva e intolerância demonstram o seu medo. Medo de assumir, medo dos seus sentimentos. Então você discrimina, então você odeia, mostrando o quão infundado é o seu preconceito. Super-machos com medo do seu verdadeiro Eu. Sua raiva e intolerância demonstram o seu medo. Medo de assumir, medo dos seus sentimentos. Só isso pode explicar o porquê de tanto preconceito, por causa de uma cultura hetero-machista e da porra do seu medo. Então você discrimina, então você odeia. Homofobia é igual a medo.”
Vocês acham que é isso mesmo? Homofobia é igual a medo?

Mamá - Primeiro gostaria de realçar que bandas como o Contrataque, e muitas outras bandas que abordam a homofobia são o que me deixam muito feliz por estar no punk....
Assim, eu não acho que isso seja generalizado, nem toda aversão é desejo, inclusive no Política&Purpurina eu dizia que aversão é desejo...hehehe, em muitos caso imagino que sim, nota-se que é uma espécie de curiosidade, medo, e desejo pelo mesmo sexo acaba sendo exposto como ódio, e violência. Meu gaydar não engana, sempre reconheço um gay enrustido travestido de homofóbico.

Felipe - Eu acho que homofobia é ignorância. Assim como qualquer outro tipo de preconceito. É falta de leitura, falta de filosofia, falta de pensar um pouco e tentar descobrir porque as pessoas são diferentes umas das outras. E esta ignorância, para mim, leva ao medo. Já vigente contra a união civil gay porque acha que esta união vai acabar com o conceito de "família", por exemplo.

4- O J.D.s (zine feito por G. B. Jones e Bruce la Bruce em 1985) é considerado o zine que deu início ao Queercore. Vocês já chegaram a ler o zine? E o que é realmente Queercore?

Mamá – Fernando li sobre sim. E sou um apreciador dos filmes do Bruce também. Queercore pra mim, pelo menos, é a contracultura dentro do meio gay “convencional”, pelo menos pra mim, vem como uma resposta a todo o comodismo, e senso comum dentro dos movimentos gays atuais. Falo isso num ponto de vista como gay. Mas fico feliz que esteja cada vez mais sendo inserido dentro do punk, e cada vez mais pessoas pró-gays usam o Queer em suas vidas.

Felipe - Eu conheço pouco do queercore, para ser honesto. Já "folheei" este zine online, mas faz muito tempo. Pra mim Queercore é hardcore misturado com queer, e o queer é uma maneira mais radical de pensar a sexualidade.

5- Me corrijam se eu estiver errado. Mesmo o Queercore tendo surgido na década de 80-90, aqui no Brasil a cena é bem nova, né? E pelo que vejo teve muita influência do RiotGrrrl. E o RiotGrrrl se distanciou bastante do punk, criando uma própria cena. Vocês acham que a cena Queercore deve seguir esse mesmo caminho?

Mamá – Realmente, o RiotGrrrl pôs a cara a tapa aqui no Brasil de uma forma linda, foram elas que começaram muita coisa, incentivaram muitos meninos e meninas a se libertarem dessa corrente machista, dos próprios preconceitos, e pré-conceitos tb. Quando conheci o Dominatrix, por exemplo, eu já era gay assumido, e confesso que fiquei muito feliz em saber que tinham outras pessoas como eu nessa luta toda. Só sabia da existência de bandas como Tribe 8, Bikini Kill, e muitas outras bandas dessa safra, Pansy Division que sempre achei fantástica. Acho que o distanciamento se veio devido ao cansaço de star sempre falando, falando, e sempre serem deturpadas no que falavam. Ex: a menina ia lá, falava sobre feminismo, e união de garotas, e um idiota qualquer desencadeava algum comentário maldoso para alguma outra pessoa e isso virava um telefone sem fio gigantesco, e acabava passando uma visão totalmente errada do que era tudo aquilo. Com o tempo, acho que a distância se deu porque o machismo ainda é maior dentro do hardcore, infelizmente..não que essa espécie de divisão seja melhor, não é mesmo...mas talvez foi preciso para que as meninas se sentissem melhores, e confortáveis nos shows, nos discursos, e em suas vidas. Fico chateado com isso, porque nota-se que, hoje em dia quando acontece algum evento ligando meninas e meninos acontece uma defensiva entre ambos os sexos, entende??



Felipe - Eu não acho que é muito difícil se distanciar completamente do punk. Você pode parar de tocar punk rock, mas aquela idéia de DIY, de idéias libertárias, sempre ficam.

6- Falar um pouco sobre a demo, né. E aí, como foi fazer? Gostaram da gravação? Eu achei animal! E porque decidiram lançar da forma como foi lançada?

Mamá – Assim, foi muito legal. Eu num geral não gosto muito de gravar em estúdio, sempre fico nervoso, acho que não vou conseguir cantar e tals...mas com o “Teu Pai” foi bem diferente. Nos divertimos muito, saiu melhor do que estávamos pensando. Foi basicamente feito tudo em uma hora ( só tínhamos 100 reais, e era o que poderíamos fazer em uma hora mesmo ..ahaua ) . Tudo feito semi ao vivo, com os vocais e backings feitos juntos. Saímos de lá, fomos na padaria ao lado, e ficamos lá, rindo e tendo idéias sobre o resto da demo.. Sobre a distribuição...Bem, a idéia de fazer lago livre ao máximo é a de que todos possam ter acesso, fazer suas própria demo, recortar, dobrar, gravar, distribuir, enfim, fazer parte da banda com a gente...coisa que já acontece muito nos shows, se puderem observar nos vídeos do myspace. A idéia é a de que todos se sintam à vontade para ouvir, cantar, distribuir, e se parte do Teu Pai já Sabe?....


Felipe - Eu sou o cara que mais erra na banda, e até que não errei muito pra gravar. Então achei massa. haha

7- E quem teve a idéia da capa? Quando eu vi, lembrei de uma coisa. Por que o pênis é visto pelos heteros como algo tão assustador? Quer dizer, é quase que impensável nu frontal masculino na televisão. Nos filmes de Hollywood , quando há uma insinuação, as mulheres viram o rosto. E o medo que os homens héteros tem do pênis?! Rapaz, é incrível! Hétero tem mais medo do pênis do que de uma arma! Por que vocês acham que isso acontece?

Mamá – Então, a idéia dessa capa era a de por em discussão a questão do cristianismo tb, aquela merda toda das mãozinhas rezando no hardcore, saca??? Tipo, ridicularizar tudo isso colocando um pauzão, e diga-se de passagem um belo pau , no meio das mãos rezando. Engraçado, isso que você disse de ter medo de pinos...é bem verdade mesmo, noto demais que as pessoas tem um pudor todo em relação à isso. Vai ver é por faltar de ver mais os pintos uns dos outros..hahahaha. Sério, a camiseta do gay-o-hazard mesmo, tinha aquela arte do Klaus ( L-Dopa ), do pau gigante destruindo o carro de um político homofóbico daqui da região..a arte é foda demais, e muita gente questionava o fato de ter um pinto, e o que os pais iriam achar daquilo quando vissem a camiseta no armário e bla bla bla..Acho que devemos perder mais os nosso pudores..por isso, se um dia formos tocar aí, quero ver gente pelada, ok!!??


Felipe - A idéia da capa foi do Mamá e do Diego, que fez a arte pra gente. E é engraçado mesmo esse medo do pênis.

8- A música que eu mais gosto de vocês é “Dono da Verdade”, tanto pela letra quanto pela melodia e a forma que o Mamá canta. O que eu entendi da letra é que muito mais que criticar aqueles que se sentem donos da verdade, vocês questionam se realmente existe essa verdade. Eu penso que o conceito “verdade” é muito perigoso, porque está ligado ao conceito de “certo”. E esses dois juntos fedem muito, cara. Até mesmo o dicionário diz que essas palavras significam algo que nunca varia. Acho que a questão é realmente discutir essa coisa de verdade e certeza, né? Se são conceitos que valem ou não a pena ser levados a sério.

Mamá – Fernando, essa é a música preferida do Felipe, nosso baixista...Cara, “verdades absolutas não são pra mim”, como diria meu querido amigo velho Rodrigo. Eu acho uma merda, e soa muito ruim , me da preguiça umas pessoas que acham ,se julgam donos da verdade. Quando fiz essa letra pensava em um lixo de pessoa daqui, e seus seguidores fiéis de momento...Primeiro vem a verdade absoluta, e depois a decepção por ver que toda essa “verdade” não passou de um jogo de interesse descartável, entende?


Felipe - É a música que eu mais gosto também! High five! Eu acho que a gente deve questionar tudo, até a nós mesmos, a todo momento. Eu já mudei muito meu modo de pensar em vários aspectos e sei que vou mudar num futuro.

9- Numa entrevista que vocês deram pro blog “Velha escola Nova escola”, o Mamá citou O Marinheiro, que era um coletivo do qual algumas pessoas da banda faziam parte. Daí lembrei que alguns amigos me disseram que conheciam o Mamá a um bom tempo, por conta desse coletivo. Conta aí um pouco sobre ele.

Mamá – Então, a idéia desse Coletivo veio com a necessidade dele dentro da cena aqui. Num modo geral notávamos que as pessoas achavam meio estranho quando eu beijava meu namorado nos shows, ou quando a Manú tava de mão dada com alguma namorada, e por aí vai. Um dia, conversando com o Paulo ( meu namorado ) falei sobre isso, e a importância de ter uma militância gay dentro do punk. Aí tivemos a idéia de fazer fanzines, panfletos, camisetas, tudo voltado ao gay mesmo...pra ver o que acontecia, e o resultado foi bem positivo. O Hugo mesmo ( nosso baterista ) conhecemos através do Marinheiro, num festival que promovemos aqui. Fora que notamos uma mudança no pensamento das pessoas daqui, e muitos de fora tb, devido aos contatos que fizemos. Teve também um fator importantíssimo que notamos...muitos meninos e meninas tb nos escreveram, dizendo que nos apoiava, e eram gays, mas ainda não se sentiam à vontade para assumir isso em suas cenas locais..e depois fizeram isso. Achei fantástico, e espero retornar nossas atividades hoje em dia.


Felipe - Eu cheguei tarde nesse coletivo, acho que o Mamá sabe melhor toda a história. Eu posso dizer que pra mim foi muito legal participar da confecção de alguns zines para ele. E espero que possamos logo fazer um festival queer aqui em Curitiba.

10- Li nessa mesma entrevista que vocês vão lançar um disco novo. Tem previsão pra sair? E vai seguir a mesma pegada da demo?

Mamá – Então, acho que vai demorar um pouco, pois agora estamos fazendo mais músicas novas, mas como não temos muito tempo para ensaios, acaba que fica mais demorado um pouco.....mas estamos bem felizes com algumas que já estão prontas. Sim, eu pelo menos, penso em sempre usar as demos, e cds para que possa ajudar outros grupos, coletivos, e distros, pois dessa forma acaba ajudando muito a gente na divulgação da banda e também na luta contra a homofobia.


Felipe - Sem previsão. Mas acho que as músicas deverão ter a mesma pegada da demo, sim.

11- Então gente, muito obrigado mesmo pela entrevista. Se tiver alguma coisa que ficou pra trás, alguma coisa que precisava ser dita e não foi, é só dizer agora.

Mamá – De verdade, estou bem feliz de poder ter essa oportunidade no teu zine, fernando, e espero que tenha uma resposta positiva com ela. Valeu mesmo por vocês que estão lendo, que pegaram esse fanzine., e não deixem ele guardado, passem adiante, ok!! Bom, quem quiser ouvir, baixar, gravar, distribuir, nos comer, dar, beijar..sintam-se cantados..nosso my space é esse aí: www.myspace.com/teupaijasabe , nosso e-mail é: omarinheiro@gmail.com , temos comunidade no orkut da banda, orkut pessoal, e páginas pessoais em sites de relacionamento também...hahahahahahah
Beijos...

Felipe - Muito obrigado pelo espaço! Quero ler o zine quando sair! Beijo!

6 comentários:

Velha escola Nova escola disse...

Muito boa a entrevista e o blog , adicionei vocês como favoritos no meu blog , abraços .

O amor e etc. disse...

Que isso, amei! Atitude mesmo! Não sabia da existência do QueerCore. Sempre vi os punks como machões, e homofobicos. É legal ver que há uma variente no gênero. Vou procurar escutar o som da Banda.
Abraços.

Luís disse...

bem interessante mermo a entrevista fernandão,bacana se lance de criar uma espécie de espaço mais para bandas undergrounds !!! foda a iniciativa tua e da carla mano,força ae!!!

Anônimo disse...

Yeaáh!

Mariposa disse...

interessante seu blog
:D

íris disse...

massa a entrevista e as perguntas =)