quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

artigo da alice sobre conflict

no último ano fiquei obcecada numa busca frenética por bandas antigas que contassem com mulheres em sua formação. tenho uma posição meio ambígua quanto a espaços (mídias, eventos, etc) privilegiados para bandas com mulheres: ao mesmo tempo que acho politicamente interessante que existam – porque muitas vezes ouço de diferentes bocas (com ou sem batom) que nossa cena não é um espaço amigável para mulheres – também acho problemático que o político sobrepuje a sonoridade. acho que esse é quase sempre o dilema de uma banda de hardcore: como equilibrar essas duas coisas. e o que vejo freqüentemente é que esse mesmo nicho politicamente interessante tende a desequilibrar essas duas coisas. mas no último ano, como eu dizia, fiquei obcecada por achar bandas, bandas com mulheres que me satisfizessem musicalmente, que fugissem daquele estereótipo – que talvez exista apenas na minha cabeça – que diz respeito a uma leva de bandas de/com meninas que existiam no meio/final dos anos 90 (quando entrei em contato com hardcore) e que entraram em franca extinção.

junto com essa obsessão, não sei se empurrando ou empurrada por ela surgiu a idéia de fazer um zine (até agora um e-zine) aonde eu registrasse o resultado dessa busca. chamei o zine de soror. fala-se “sóror” e vem do latim, significa irmã, achei que fazia sentido apelar para uma sororidade partilhada entre mulheres de diferentes décadas, unidas pela vontade de pegar instrumentos e passar uma mensagem. achei que fazia sentido me dirigir a uma leitora, mas resistir a tentação de usar um feminino genérico, que poderia ser mal-interpretado, e usar uma linguagem inclusiva (com arrobas ou xizes no lugar de fazer o plural em “os”)

mas nem sempre achamos uma coisa quando estamos concentradas procurando por ela. minha experiência é de que achamos coisas que queremos, justamente quando paramos de procurar. e assim foi que aconteceu. um dia, por um acaso, me deparei com uma foto absurdamente envolvente: era uma mulher meio asiática com um vestido estranho e muitas pulseiras, segurando um microfone e com uma cara de espanto incrível. eu precisava ouvir essa banda! seu nome era conflict. não o famoso conflict da terra da rainha, mas um homônimo do arizona. e quando consegui de fato ouvir a banda, numa gravação ao vivo* de uma apresentação, foi realmente especial. o som é um hardcore tipicamente americano – com algum parentesco com black flag, circle jerks, toxic reasons (mas também the bags e avengers) mas bem mais cru, menos trabalhado. descendente direta da filosofia do faça-você-mesma, é uma banda cuja força está em parte nesse velho lema do punk rock que nos inspira a pegar instrumentos e montar nossas bandas, mesmo sem saber tocar direito.

através do blood sisters (
http://kzsu.stanford.edu/~hannah/) descobri a página do bill c, guitarrista do conflict, e trocando e-mails pedi que me enviasse as letras, o que ele fez com prazer. as letras ficam no meio do caminho entre o pessoal e o político, com uma sensibilidade feminista e de temáticas que me são, particularmente, caras. era de se esperar que numa banda com duas mulheres asiáticas (karen, a vocalista, e mariko, baixista) questões sobre racismo e sexismo aparecessem.


quase ao mesmo tempo em que recebia as letras do guitarrista bill c, ganhei um exemplar da maximum rock n’ roll que continha uma matéria sobre o conflict (que adicionou a sigla “us” ao nome para se distinguir do homônimo inglês). a matéria- de muitas páginas- chamada “the story of conflict” veio dar mais substância ao meu interesse pela banda. fiquei com muita vontade de traduzir a matéria e publicá-la no zine, mas a falta de tempo é um fator contra. coloco aqui algumas passagens traduzidas toscamente:

“ posso dizer que o arizona não é um lugar muito cabeça-aberta. até mesmo ir ao shopping com minha família inter-racial tornava-se um xou. quando era pequena, as pessoas me perguntavam se minha mãe era uma geisha, se minha mãe amarrava meus pés, se eu lembrava de pearl harbor e coisas do tipo. existia também um certo preconceito com respeito a mulheres tocando música, ainda mais tendo duas em uma banda só. e duas asiáticas? numa banda punk? Eu me sentia bastante invisível as vezes.”

desafiando os estereótipos culturais do que seria uma garota asiática, karen (que ficou conhecida como nurse k por trabalhar como enfermeira num hospital psiquiátrico) expressava uma agressividade inesperada nos vocais e na sua presença de palco para um público e uma cena majoritariamente branca. Uma cena que tornou-se cada vez mais refratária a diferenças:

“o hardcore em particular se tornou, na minha opinião, fechado, conformista e bastante centrado na figura do homem branco. não começou dessa forma, mas tornou-se essa coisa meio clone, especialmente entre o público. algumas pessoas tomaram “white minority” do black flag , não ironicamente, como foi escrito inicialmente, mas como uma bandeira. ou “guilty of being white”. e a diversidade de pessoas, estilos musicas e pontos de vista pareceu ser apagada de nossa história punk recentemente.”

acho que esse tipo de risco se corre em qualquer espaço de política (e acredito que em qualquer espaço em que um grupo de pessoas conviva a política aparece de uma forma ou de outra), esse risco da homogeneização; é o risco, de que as diferenças desapareçam, se diluam num mar de sujeitos “não-marcados”. o conflito é, para mim, exatamente a divergência de pontos de vista, o mal-estar diante o desacordo. costumo pensar que quando o conflito desaparece é porque as diferenças foram achatadas pelo peso do mesmo.

*gravação ao vivo -
http://sororhardcore.blogspot.com/2007/02/mais-uma-pra-baixar-conflict.html
**lp last hour: http://sororhardcore.blogspot.com/2007/06/mais-do-conflict-us.html

Por Alice: maníaca por velharias e tecnologias ultrapassadas, se esforça nas baquetas de silente e toda dor do mundo e mantém no ar precariamente o e-zine soror.

Esse texto foi originalmente publicado na #4 do TL, gosto bastante do texto e quis que a primeira postagem de 2008 fosse ele. Soror também publicou a entrevista do TL com Arma Larjanja no blog.Enjoy!

Um comentário:

soror disse...

carla eu ainda (r)existo!!!!
hehehehehe
fiz um post safado lá no soror. o tempo tá curto, tô ficando meio maluca mas tô aqui ainda.

ê. que bonitinho isso aqui.
beijos