quarta-feira, 1 de abril de 2015

Lutas e afetos aquareláveis: uma entrevista com a Desalineada

Hermione Granger por Desalineada

A leveza da aquarela não mente, há muita força no traço da mineira Aline Lemos, a Desalineada. Feminismo, moradia popular, amorosidade entre mulheres, memória, sexualidade e bruxaria são alguns dos temas trabalhados por essa professora de História, que é também graduanda em Artes Plásticas. Ela participa do coletivo ZiNas, formado por artistas mineiras, e do coletivo Girl Gang, que traz um time de artistas brasileiras que está enchendo o rolê dos quadrinhos de feminismo.

Seus zines mais recentes são Vênus e Liturgia das Bruxas - que entraram para a minha lista de melhores zines de 2014. Quando os li fiquei com a impressão que eles falavam de mim, das minhas experiências e histórias. As publicações são carregadas de poesia, beleza e força, muito bem marcadas pelas ilustrações. Nada melhor do que esse sentimento de identificação para querer descobrir mais e mais do universo da artista. Por isso, convidei a Aline para conversar conosco sobre empoderamento, tema que trabalhamos no mês de luta da mulher. Nada melhor do que conhecer a experiência de empoderamento de outra mulher para se inspirar né?

*Todas as imagens são da Desalineada e reproduzidas de suas redes sociais

Por Aline Lemos


Cabeça Tédio) Você é ilustradora e trabalha com criação e arte em um país onde essas atividades não são muito celebradas. Seu objetivo é trabalhar com ilustração? Como foi seu processo de empoderamento para estar em uma área que é, como outras, machista?

Desalineada: Meu objetivo é trabalhar com ilustração, mas principalmente, quadrinhos. É um objetivo difícil mesmo se fossem desconsiderados os obstáculos machistas, pois é uma área complicada aqui no Brasil, mas mesmo assim estou investindo nela, tendo paciência e conciliando outras atividades profissionais.

CT) Quando foi que você se deu conta que você se empoderou, em algum aspecto da sua vida? 

D: Acho que meu processo de empoderamento começou quebrando as barreiras dentro de mim mesma, aqueles impedimentos e formas de opressão que você internaliza. Ter confiança suficiente para acreditar que eu poderia ser uma artista foi algo que demorou muito para mim. Acredito que isso aconteceu muito pelas dificuldades próprias da área, de acreditar na viabilidade profissional da arte. Mas também tomaram parte a falta de confiança, timidez e sentimento de não pertencimento que nós, como mulheres, muitas vezes internalizamos de modo geral, e que nessa área também acontecem a seu modo. Então fui construindo aos poucos minha possibilidade como artista. Os grupos de mulheres artistas e quadrinistas e as iniciativas incentivando quadrinistas amadoras foram fundamentais nesse processo.


Foto: Samanta Coan

Autoretrato de 2015

Outra forma de empoderamento que comecei a viver na mesma época foi com relação ao meu corpo. Passei a ter muito mais prazer e confiança na forma de lidar com ele, dançando, vivendo minha sexualidade e minha autonomia cuidando da minha saúde. Meu cabelo, meu piercing e minhas tatuagens, que são coisas que muita gente acha superficiais, foram parte desse processo. Quando eu fiz essas mudanças, fui ficando cada vez mais consciente disso.

Tirinha - Desalineada


CT) O que significa empoderamento para você? Já viveu uma situação onde antes era insegura e em outro momento percebe que se empoderou? Se for possível, conta um pouco sobre?

D: Acho que empoderamento é tomar consciência de si e de suas ações, para tentar superar as opressões que vivemos. É uma luta interna e externa, como diz uma amiga minha. Toda essa situação que mencionei sobre minha relação com o meu corpo e com a possibilidade de ser artista eram coisas que me causavam muito sofrimento quando era adolescente. Eu era insegura com o meu corpo, com a minha identidade como mulher, com a minha sexualidade (sou bissexual), com a minha possibilidade de independência. É até difícil citar um exemplo, mas a raiva e o isolamento eram sentimentos muito constantes na minha vida. É claro que ainda tenho inseguranças e sofrimentos, como é natural, mas consigo lidar com eles de forma muito melhor. Nesse sentido, acho que de certa forma empoderamento também tem a ver com cuidar de si. Mas não estou desconsiderando que "empoderamento" vem de poder, quer dizer, de tomar poder para si, de combater algum poder que te oprime. Aprendi com o feminismo que nossas lutas internas, nossas vivências particulares e íntimas, também estão ligadas às relações de poder da nossa sociedade. Esse também é um campo político. Luta interna e luta externa estão juntas.

Série Extinção - Desalineada


CT) Para mim, empoderamento é uma forma de resistência. Como você se despertou para o empoderamento?


D:Também acho que é uma forma de resistência. Para mim, foi em contato com o feminismo, primeiro na prática da forma que eu sabia resistir, e depois nas leituras e convivências. No meu caso, a análise com uma psicóloga também ajudou muito. Mas os grupos de apoio e iniciativas de incentivo, como o de mulheres quadrinistas e artistas que mencionei, foram fundamentais. Acredito muito no apoio mútuo e na solidariedade para o empoderamento de qualquer grupo marginalizado!

Utilidade Pública

Indico fortemente que você mergulhe no trabalho da Desalineada, especialmente comprando os zines e prints aqui. É sempre importante, quando podemos, apoiar uma artista mulher e nos cercarmos de cultura feministra. Indico as ilustrações sobre a MC Xuxu, MC Bárbara Sweet, Pussy Riot e os outros trabalhos que estão no Facebook e no Tumblr, confira!

Compilação de ilustrações - Foto: Desalienada

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