"Faminto por algo que eles nunca vão encontrar. Não poderia haver outra maneira?" Unpronounced, Try The Pie
Foto por Adrian Discipulo
Bean Kaloni Tupou (aka Christine da Sourpatch e Crabbaple) lançou em abril o primeiro full (Domestication) de seu projeto solo, TRY THE PIE, e caiu pesado por aqui, gente. Primeiro, porque é lindo, expressivo, contemplativo e de muito bom gosto. Quem gosta de poppunk, acompanha a cena em San Jose ou lê o blog da Carla não se admiraria do disco ter saído tão bom, por conhecer um pouco do que a Bean é envolvida no punk e de suas bandas perfeitas.
Segundo, porque o Domestication carrega amor e desencontro, o acolher e a despedida. Ele traz a lembrança, te faz olhar os álbuns de fotografias, te une com seus ancestrais, deixa à mostra suas raízes. Faz você acordar no meio da noite e dar um beijo em seu irmão dormindo, ou admirar da porta o quanto sua filha cresceu. Te faz pensar na vida e nas relações que não se fizeram, mas aí você levanta os olhos e vê o quanto é forte e incrível o que foi construído. São desencontros que promovem encontros. Okey, muito rápido? Ouça o disco no seu tempo e na sua calma, porque há muito mais vida aí.
Foto retirada da entrevista feita pela Victoria Ruiz, na Impose Magazine
Essa relação com o desencontro é forte, gente. Talvez seja apenas o momento instável rondando a vida, os vinte e poucos anos indo embora e aquele sentimento maluco dessa idade que mistura pé no chão e os mais incríveis sonhos. E como diz a letra da Bean, "não poderia haver outra maneira?". Eu acredito mesmo que toda despedida é um encontro. Quando falo em despedida e desencontro, é do desapontamento, do cansaço emocional, da desesperança que falo. E como isso nos faz voltar pra nós e tratar as nossas relações de novas formas. E esse disco veio pra reforçar toda ideia boa por trás disso.
Em uma troca rápida de e-mails, ela confirmou o que a música já havia me mostrado, o que sentimos e percebemos do mundo é tão afirmativo quanto o abraço de uma amiga, é real em todo e qualquer lugar disposto a nos receber. Isso é pra dizer, no fim das contas, que não estamos sozinhs. Domestication é mais que deixar vidas, perspectivas e pessoas pra trás. É sobre nós. Quem somos hoje, agora.
Domestication lembra uma parte da minha vida que temo, mas que sempre revisito e percebo como sou muito do que ficou. Uma época confusa e de conhecimento, acima de tudo. Você fez neste álbum uma música que conversa com a alma, convida os ancestrais, acolhe o passado e se despede. Domestication é sobre despedida?
Bean: Eu aprecio que você possa se conectar tanto com o álbum, isso me faz sentir muito bem. Domestication é um pouco sobre despedida, é também sobre co-dependência, vícios, isolamento, obsessão e, finalmente, sobre a aceitação. Talvez seja sobre a aceitação de que temos parte em quase tudo e todos em nossas vidas, em algum momento.
Você lida muito com o outro no Domestication. Você acha que as pessoas, as relações, são necessárias para um entendimento do que somos? E somos porque somos por elas?
Bean: Sim, eu acho que os relacionamentos são completamente necessários para uma compreensão de quem somos. A maneira como tratamos o outro, a nossa forma de observar as pessoas, as formas que processamos são ideias muito importantes sobre quem somos.
Li sobre a música "Thomas", sobre do que se trata e considero a música mais bonita do álbum. Acho que ela retrata todo esse amor que fica na despedida. E me faz querer abraçar meus irmãos e minha filha a todo momento, na tentativa de tê-los pra sempre.
Bean: Obrigada! Estou feliz que faz você querer abraçar seus familiares, a canção é sobre um membro da família, de modo que parece apropriado. Eu acho que a minha motivação para fazer canções é ajudar elevar o que eu estou sentindo no momento e condensá-lo em algo compreensível que eu posso compartilhar com as pessoas. Estou feliz que você pode se relacionar com essa música, que é uma das minhas favoritas.
"Flood or Drought" e "Thomas"
Difícil escolher a música que mais gosto, viu. Por isso separei duas que representam esse momento.
O disco mescla uma pegada pop punk com coisas mais calmas, que funcionam bem na ideia inicial de ter somente voz e violão.
Flood or Drought é uma dessas calmas, que transmite silêncio, como uma canção no fundo de um galpão vazio. A impressão é que o reverb do vocal está nas alturas, mas se você ouvir bem vai perceber que é o eco do espaço vazio que a música passa. A letra parece ser sobre a necessidade de alguém, sobre a presença do outro que dá todo sentido.
E então me fez reconsiderar?
Ele passou correndo antes que eu tivesse tempo para sequer agarrá-lo.
Vou tentar lembrar.
(... ) Apenas diga que estarei sempre por perto
E tudo vai passar"
E aí tudo fica mais instável quando você percebe que essa necessidade pode ser um sinal de dependência, você se vê em um relacionamento abusivo e é incrível como as coisas se fizeram assim. Não sei mesmo se essa letra trata disso, mas comentei sobre isso em um outro post e acho que é nesse momento da nossa vida que o peso é maior, a dor é mais nítida e os caminhos são mais reduzidos.
A outra música é Thomas e é a mais linda, sem dúvida. Ritmo lento que acompanha a voz linda da Tupou. Guitarra repetida, que transforma a música quase que em um processo. Em uma entrevista para a The Media, ela explica que essa música foi a maneira que encontrou de conversar com o irmão sobre a morte da mãe e que de uma forma geral a música representa toda experiência que vivemos com nossa família. Uma poesia, um encanto mesmo a forma como a música se faz, com toda a carga confusa que ocorre quando se trata de um sentimento que é difícil registrar.
Você está lá onde residem as visões
E sabe o que está comigo
Nós sentimos o vazamento lento do tempo"
Se você puder, vale muito a pena ter esse registro. Ele saiu pela Salinas Records e rola o digital pelo bandcamp. Um dos discos mais expressivos desse ano, até agora. E como eu disse no início, não esperaria algo diferente vindo da Tupou.
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