Uma capa laranja (folhas
Filipinho fazendo zineirxs felizes há algum tempo) e uma senhorinha com uma
bengala impressa e a capa do Pauta Lixo #2 está pronta. Minimalista, sem
chamadas na capa. No editorial o Nandolfo diz: “O que está aqui também é um
punk visto de fora, já que faz tempo que não vou em shows e participo de uma
forma mais bacana”. Esse tal “punk visto de fora” serviu como uma blusa
confortável em mim. Seja pela despolitização do punk/hardcore, seja pelas
pessoas mais preocupadas em competir ou por apenas não me identificar com o
“punk de dentro” me vi representada nessa frase. Quando não há identificação com o “punk de dentro”, o que fazer? Depende de cada uma, mas sei que para se
identificar como punk ou com o punk você não precisa estar, necessariamente, dando role. Pode-se
continuar fazendo coisas dentro do espírito faça você mesma, pode-se continuar
sendo nerd de música. Essa idéia de que “parou de ir em show = desencanou do
punk” é muito ZzzzzZzzzzZzzz pra mim. E a idéia de que "dá role em show = punk" também. Acho que as duas coisas são possibilidades, e não verdades universais.
Ao longo de suas 32 páginas o
Pauta Lixo traz entrevistas, textos e dicas de banda. Na sessão “Som de Fita”
rolam entrevistas com dois selos que lançam k7’s. Uma com o selo Give Us A
Chance, de Lille (França) e outra com o selo Spastic Fantastic, de Dortmund,
(Alemanha). As duas entrevistas falam sobre o processo de produção das k7’s, da
algumas dicas e várias bandas desses locais são citados. Os caras que dão as
entrevistas citam algumas empresas que fazem as k7’s, então se alguém por aí
estiver procurando por isso pode ler a entrevista e pegar o contato que eles
indicam.
Os junkies de música vão gostar
do “5 de Pop Punk”, onde o Fernando indica 5 bandas que tocam pop punk. Ele
começa já falando da muito boa Parasol, banda de Boston envolvida com a cena
queer e preocupada em falar em seus shows sobre a cultura de estupro,
privilégios e espaços seguros. O som é uma das coisas mais bonitas que você vai
ouvir, porque a voz de Lily é bem bacana. Na seqüência ele indica a AcidicTree, banda punk quase melódica, que faz um som animado e que da vontade de
dançar e Sad Girls Por Vida. Rola também a indicação do Peeple Watchin, que
segundo Nandolfo é “político, é queer, é grudento, é punk”, ou seja, vamos lá
ouvir o bandcamp dels logo. E a coluna termina com a You Me & Us, power
trio pop punk fofolete, com aqueles vocais grudentos e bateria sequinha que faz
você ficar mexendo os ombros daquele jeito bobo.
A melhor entrevista do Pauta Lixo
é a com Parasol, onde els falam mais sobre a banda, os projetos em que estão
envolvidos e sobre a necessidade/importância de falarem em seus shows sobre
sexismo, racismo, homofobia, patriarcado, violência sexual e etc. Para quem é
viciadx em Ladyfests: esse ano a Parasol vai tocar no Ladyfest Philly, junto
com Screaming Females, Potty Mouth, Aye Nako e outras bandas. Se você se
importa com política, discussão sobre privilégios não deixe de ler essa
entrevista.
O zine ainda traz duas traduções, um de um blog e outra de um zine norte-americanos. O primeiro é o “A arte de todas as idades”, de
Marlee Grace, que foi publicado em um blog de hardcore. Marlee faz parte da comunidade faça você mesmx de Grand Rapids e
de Ann Arbor, cidades que ficam no estado de Michigan, e seu texto fala sobre
se dedicar ao faça você mesma e a fazer shows para todas as idades cobrando preços justos. Mesmo com
todo o esforço que isso envolve, ela se dedica a tornar acessível
atividades/shows que por aqui podem ser bem caros. O que mais gostei do texto
dela foi saber que lá eles tentam pagar as bandas e pessoas envolvidas sem
contar com o dinheiro da cerveja. Porque uma vez que você conta com esse
dinheiro você precisa estimular o consumo do mesmo. E é legal ver um espaço que
tenta criar novas formas de se sustentar. Marlee também faz parte do Division
Avenue Arts Collective, o DAAC, e nesse link pode-se saber mais sobre.
O outro texto que o Nandolfo
traduziu foi “Vestidos e caminhões de brinquedo e pronomes: a experiência da
minha filha com gênero”, escrito por Genelle Denzin e publicado no zine
Building Blocs, feito por Lara Daley. Genelle conta como sua filha Paxten (que
tinha 5 anos quando o texto foi publicado) vem construindo sua própria
identidade de gênero. As pessoas viam Paxten como um menino, e em dado momento
descobre sua paixão por vestidos, e passa a vesti-los. Por um tempo, se
identificava como um menino que gostava de “coisas bonitas e legais”. Tempos
depois, Paxten pediu para ser chamada de Sally. Depois de três semanas Paxten
decidiu que queria ser chamada de Paxten novamente, mas dessa vez pediu que a
chamassem de “ela”. É um texto sobre amor e medo. Amor pelx filhx e fazer o
máximo para estar lá pra elx, agindo por elx, e medo porque ver x filhx viver
sua própria identidade de gênero – aquela que não é enxergada pelos outros – é
algo que envolve dores, olhares preconceituosos e descobertas.
O zine acaba com um texto do
Fernando, que é muito oportuno. Nele, ele se pergunta porque lançar o Pauta
Lixo #2, pensando em como sua vida está atualmente, e em como seu envolvimento
com o punk ajudou a construir sua percepção de mundo. Sei que se o Pauta Lixo
não tivesse saído eu teria perdido uma grande oportunidade de reflexão. Ainda
estou digerindo o zine, a entrevista com o Parasol, os textos traduzidos. E
mesmo atualmente eu estando muito mais desanimada e desacreditada do faça você
mesma, o zine conseguiu me tirar dessa zona de conforto/desconforto e me faz
repensar coisas. E ainda, fez um milagre. Me encorajou a terminar o Histérica
#3 e até mesmo de tocar adiante o projeto de outro zine.
O fim do texto, e do zine, é um
tipo de esperança muito massa, em que Nandolfo reitera a cultura de zines, e
espera que ela continue firme e forte na casa dele, para ele fazer muitos zines
com a filhinha que está por nascer. E pra fazer inveja nas mães/pais punx: ele
faz os livros e zines punks para colorir mais feras que tem. Para deixar
qualquer umx com inveja. Quem quiser uma cópia do zine escreva para: pautalixo@gmail.com
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